terça-feira, 5 de março de 2013

STJ - Conexão de provas leva à reunião de processos sobre crimes de racismo cometidos em comunidade virtual – CC 116926 – Ministro Relator: SEBASTIÃO REIS JÚNIOR - TERCEIRA SEÇÃO – 22.02.2013


A competência para processar e julgar o crime de racismo praticado na rede mundial de computadores estabelece-se pelo local de onde partiram as manifestações tidas por racistas. No caso, o procedimento criminal (quebra de sigilo telemático) teve início na Seção Judiciária de São Paulo e culminou na identificação de alguns usuários que, embora domiciliados em localidades distintas, trocavam mensagens em comunidades virtuais específicas, supostamente racistas.

O feito foi desmembrado em outros treze procedimentos, distribuídos a outras seções judiciárias, sob o fundamento de que cada manifestação constituía crime autônomo.

Para a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), como esses crimes teriam sido cometidos na mesma comunidade virtual, o que pressupõe o estabelecimento de relação de confiança entre os envolvidos e propicia troca de informações verdadeiras entre os usuários desse espaço, inclusive pessoais, há conexão probatória a ponto de facilitar a identificação da autoria dos eventuais delitos, circunstância que recomenda a unificação dos processos em trâmite em 14 cidades.

Não obstante cada mensagem em si configure crime único, há conexão probatória entre as condutas sob apuração, pois a circunstância em que os crimes foram praticados – troca de mensagens em comunidade virtual – implica o estabelecimento de uma relação de confiança, mesmo que precária, cujo viés pode facilitar a identificação da autoria.

Caracterizada a conexão instrumental, firma-se a competência pela prevenção, no caso, em favor do Juízo Federal de São Paulo - SJ/SP, onde as investigações tiveram início. Cabendo a este comunicar o resultado do julgamento aos demais juízes federais para onde os feitos desmembrados foram remetidos, a fim de que restituam os autos, ressalvada a existência de eventual sentença proferida (art. 82 do CPP).

Art. 82.  Se, não obstante a conexão ou continência, forem instaurados processos diferentes, a autoridade de jurisdição prevalente deverá avocar os processos que corram perante os outros juízes, salvo se já estiverem com sentença definitiva. Neste caso, a unidade dos processos só se dará, ulteriormente, para o efeito de soma ou de unificação das penas.

O STJ já decidiu, em outra oportunidade que, em se tratando de crime de racismo praticado através da internet, nos casos referentes a usuários domiciliados em vários estados da federação que trocam mensagens em uma mesma comunidade virtual, os processos devem ser reunidos por conexão instrumental.

Veja-se que, nesse ponto, a rede virtual em nada difere da associação de indivíduos que, tendo afinidades de pensamentos e convicções, estabelecem verdadeira relação de cumplicidade, apta, até mesmo, a superar as barreiras do anonimato. Aliás, é a forma pela qual os membros interagem na comunidade virtual que cria o nexo entre as mensagens que ali circulam e, consequentemente, estabelece um liame entre as condutas supostamente ilícitas.

Assim, embora a competência para processar o crime de racismo – praticado na rede mundial de computadores – estabeleça-se pelo local de onde partiram as manifestações tidas por racistas, no caso, o modus operandi, consistente na troca de mensagens em comunidade virtual, é apto a caracterizar a conexão probatória, nos termos do art. 76, III, do Código de Processo Penal.

Art. 76.  A competência será determinada pela conexão:
I - se, ocorrendo duas ou mais infrações, houverem sido praticadas, ao mesmo tempo, por várias pessoas reunidas, ou por várias pessoas em concurso, embora diverso o tempo e o lugar, ou por várias pessoas, umas contra as outras;
II - se, no mesmo caso, houverem sido umas praticadas para facilitar ou ocultar as outras, ou para conseguir impunidade ou vantagem em relação a qualquer delas;
III - quando a prova de uma infração ou de qualquer de suas circunstâncias elementares influir na prova de outra infração.

Em caso idêntico ao dos autos, a Terceira Seção assim decidiu:

CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. CRIME DE RACISMO PELA INTERNET . MENSAGENS ORIUNDAS DE USUÁRIOS DOMICILIADOS EM DIVERSOS ESTADOS. IDENTIDADE DE MODUS OPERANDI . TROCA E POSTAGEM DE MENSAGENS DE CUNHO RACISTA NA MESMA COMUNIDADE DO MESMO SITE DE RELACIONAMENTO. OCORRÊNCIA DE CONEXÃO INSTRUMENTAL. NECESSIDADE DE UNIFICAÇÃO DO PROCESSO PARA FACILITAR A COLHEITA DA PROVA. INTELIGÊNCIA DOS ARTS. 76, III, E 78, AMBOS DO CPP. PREVENÇÃO DO JUÍZO FEDERAL PAULISTA, QUE INICIOU E CONDUZIU GRANDE PARTE DAS INVESTIGAÇÕES. PARECER DO MPF PELA COMPETÊNCIA DO JUÍZO FEDERAL DE SÃO PAULO. CONFLITO CONHECIDO, PARA DECLARAR COMPETENTE O JUÍZO FEDERAL DA 4A. VARA CRIMINAL DA SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE SÃO PAULO, O SUSCITADO, DETERMINANDO QUE ESTE COMUNIQUE O RESULTADO DESTE JULGAMENTO AOS DEMAIS JUÍZOS FEDERAIS PARA OS QUAIS HOUVE A DECLINAÇÃO DE COMPETÊNCIA. 1. Cuidando-se de crime de racismo por meio da rede mundial de computadores, a consumação do delito ocorre no local de onde foram enviadas as manifestações racistas. 2. Na hipótese, é certo que as supostas condutas delitivas foram praticadas por diferentes pessoas a partir de localidades diversas; todavia, contaram com o mesmo modus operandi, qual seja, troca e postagem de mensagens de cunho racista e discriminatório contra diversas minorias (negros, homossexuais e judeus) na mesma comunidade virtual do mesmo site de relacionamento. 3. Dessa forma, interligadas as condutas, tendo a prova até então colhida sido obtida a partir de único núcleo, inafastável a existência de conexão probatória a atrair a incidência dos arts. 76, III, e 78, II, ambos do CPP, que disciplinam a competência por conexão e prevenção. 4. Revela-se útil e prioritária a colheita unificada da prova, sob pena de inviabilizar e tornar infrutífera as medidas cautelares indispensáveis à perfeita caracterização do delito, com a identificação de todos os participantes da referida comunidade virtual. 5. Parecer do MPF pela competência do Juízo suscitado. 6. Conflito conhecido, para declarar a competência do Juízo Federal da 4a. Vara Criminal da SJ/SP, o suscitado, determinando que este comunique o resultado deste julgamento aos demais Juízos Federais para os quais houve a declinação da competência. (CC n. 102.454/RJ, Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, DJe 15/4/2009 – grifo nosso)

Com efeito, constatada a suposta ocorrência de crimes conexos, a competência deve ser fixada pela prevenção, em favor do primeiro Juízo que conheceu dos fatos, no caso, o Juízo Federal da 9ª Vara Criminal da Seção Judiciária de São Paulo/SP, cabendo a este comunicar o resultado do julgamento aos demais Juízos Federais, para onde os feitos desmembrados foram remetidos. Cumpre ressalvar, no entanto, que, em se tratando de autos desmembrados, a superveniência de sentença inviabiliza a reunião, por força do disposto no art. 82 do Código de Processo Penal (grifo nosso): Art. 82. Se, não obstante a conexão ou continência, forem instaurados processos diferentes, a autoridade de jurisdição prevalente deverá avocar os processos que corram perante os outros juízes, salvo se já estiverem com sentença definitiva.

Art. 78. Na determinação da competência por conexão ou continência, serão observadas as seguintes regras: (Redação dada pela Lei nº 263, de 23.2.1948)
Il - no concurso de jurisdições da mesma categoria: (Redação dada pela Lei nº 263, de 23.2.1948)
a) preponderará a do lugar da infração, à qual for cominada a pena mais grave; (Redação dada pela Lei nº 263, de 23.2.1948);
b) prevalecerá a do lugar em que houver ocorrido o maior número de infrações, se as respectivas penas forem de igual gravidade; (Redação dada pela Lei nº 263, de 23.2.1948);
c) firmar-se-á a competência pela prevenção, nos outros casos; (Redação dada pela Lei nº 263, de 23.2.1948)


Sobre o tema, o enunciado da Súmula 235/STJ diz :"A conexão não determina a reunião dos processos, se um deles já foi julgado".

Fonte: STJ

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