A competência para
processar e julgar o crime de racismo praticado na rede mundial de computadores
estabelece-se pelo local de onde partiram as manifestações tidas por racistas. No
caso, o procedimento criminal (quebra de sigilo telemático) teve início na
Seção Judiciária de São Paulo e culminou na identificação de alguns usuários
que, embora domiciliados em localidades distintas, trocavam mensagens em
comunidades virtuais específicas, supostamente racistas.
O feito foi
desmembrado em outros treze procedimentos, distribuídos a outras seções
judiciárias, sob o fundamento de que cada manifestação constituía crime
autônomo.
Para a Terceira
Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), como esses crimes teriam sido
cometidos na mesma comunidade virtual, o que pressupõe o estabelecimento de
relação de confiança entre os envolvidos e propicia troca de informações
verdadeiras entre os usuários desse espaço, inclusive pessoais, há conexão
probatória a ponto de facilitar a identificação da autoria dos eventuais
delitos, circunstância que recomenda a unificação dos processos em trâmite em
14 cidades.
Não obstante cada
mensagem em si configure crime único, há conexão probatória entre as condutas
sob apuração, pois a circunstância em que os crimes foram praticados – troca de
mensagens em comunidade virtual – implica o estabelecimento de uma relação de
confiança, mesmo que precária, cujo viés pode facilitar a identificação da
autoria.
Caracterizada a
conexão instrumental, firma-se a competência pela prevenção, no caso, em favor
do Juízo Federal de São Paulo - SJ/SP, onde as investigações tiveram início. Cabendo a este
comunicar o resultado do julgamento aos demais juízes federais para onde os
feitos desmembrados foram remetidos, a fim de que restituam os autos,
ressalvada a existência de eventual sentença proferida (art. 82 do CPP).
Art.
82. Se, não obstante a conexão ou
continência, forem instaurados processos diferentes, a autoridade de jurisdição
prevalente deverá avocar os processos que corram perante os outros juízes,
salvo se já estiverem com sentença definitiva. Neste caso, a unidade dos
processos só se dará, ulteriormente, para o efeito de soma ou de unificação das
penas.
O STJ já decidiu, em
outra oportunidade que, em se tratando de crime de racismo praticado através da
internet, nos casos referentes a usuários domiciliados em vários estados da
federação que trocam mensagens em uma mesma comunidade virtual, os processos
devem ser reunidos por
conexão instrumental.
Veja-se que, nesse ponto, a rede virtual em nada difere
da associação de indivíduos que, tendo afinidades de pensamentos e convicções,
estabelecem verdadeira relação de cumplicidade, apta, até mesmo, a superar as
barreiras do anonimato. Aliás, é a forma pela qual os membros interagem na
comunidade virtual que cria o nexo entre as mensagens que ali circulam e,
consequentemente, estabelece um liame entre as condutas supostamente ilícitas.
Assim, embora a
competência para processar o crime de racismo – praticado na rede mundial de
computadores – estabeleça-se pelo local de onde partiram as manifestações tidas
por racistas, no caso, o modus operandi, consistente na troca de
mensagens em comunidade virtual, é apto a caracterizar a conexão probatória,
nos termos do art. 76, III, do Código de Processo Penal.
Art. 76. A
competência será determinada pela conexão:
I - se, ocorrendo duas ou mais infrações, houverem sido
praticadas, ao mesmo tempo, por várias pessoas reunidas, ou por várias pessoas
em concurso, embora diverso o tempo e o lugar, ou por várias pessoas, umas
contra as outras;
II - se, no mesmo caso, houverem sido umas praticadas
para facilitar ou ocultar as outras, ou para conseguir impunidade ou vantagem
em relação a qualquer delas;
III - quando a prova de uma infração ou
de qualquer de suas circunstâncias elementares influir na prova de outra
infração.
Em caso idêntico ao
dos autos, a Terceira Seção assim decidiu:
CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. CRIME DE RACISMO PELA
INTERNET . MENSAGENS ORIUNDAS DE USUÁRIOS DOMICILIADOS
EM DIVERSOS ESTADOS. IDENTIDADE DE MODUS OPERANDI . TROCA E POSTAGEM DE
MENSAGENS DE CUNHO RACISTA NA MESMA COMUNIDADE DO MESMO SITE DE RELACIONAMENTO.
OCORRÊNCIA DE CONEXÃO INSTRUMENTAL. NECESSIDADE DE UNIFICAÇÃO DO PROCESSO PARA
FACILITAR A COLHEITA DA PROVA. INTELIGÊNCIA DOS ARTS. 76, III, E 78, AMBOS DO
CPP. PREVENÇÃO DO JUÍZO FEDERAL PAULISTA, QUE INICIOU E CONDUZIU GRANDE PARTE
DAS INVESTIGAÇÕES. PARECER DO MPF PELA COMPETÊNCIA DO JUÍZO FEDERAL DE SÃO
PAULO. CONFLITO CONHECIDO, PARA DECLARAR COMPETENTE O JUÍZO FEDERAL DA 4A. VARA
CRIMINAL DA SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE SÃO PAULO, O SUSCITADO, DETERMINANDO QUE
ESTE COMUNIQUE O RESULTADO DESTE JULGAMENTO AOS DEMAIS JUÍZOS FEDERAIS PARA OS
QUAIS HOUVE A DECLINAÇÃO DE COMPETÊNCIA. 1. Cuidando-se de crime de racismo por
meio da rede mundial de computadores, a consumação do delito ocorre no local de
onde foram enviadas as manifestações racistas. 2. Na hipótese, é certo que as
supostas condutas delitivas foram praticadas por diferentes pessoas a partir de
localidades diversas; todavia, contaram com o mesmo modus operandi, qual seja,
troca e postagem de mensagens de cunho racista e discriminatório contra
diversas minorias (negros, homossexuais e judeus) na mesma comunidade virtual
do mesmo site de relacionamento. 3. Dessa forma, interligadas as
condutas, tendo a prova até então colhida sido obtida a partir de único núcleo,
inafastável a existência de conexão probatória a atrair a incidência dos arts.
76, III, e 78, II, ambos do CPP, que disciplinam a competência por conexão e
prevenção. 4. Revela-se útil e prioritária a
colheita unificada da prova, sob pena de inviabilizar e tornar infrutífera as
medidas cautelares indispensáveis à perfeita caracterização do delito, com a identificação
de todos os participantes da referida comunidade virtual. 5. Parecer do MPF
pela competência do Juízo suscitado. 6. Conflito conhecido, para declarar a
competência do Juízo Federal da 4a. Vara Criminal da SJ/SP, o suscitado,
determinando que este comunique o resultado deste julgamento aos demais Juízos
Federais para os quais houve a declinação da competência. (CC n. 102.454/RJ,
Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, DJe 15/4/2009 – grifo nosso)
Com efeito,
constatada a suposta ocorrência de crimes conexos, a competência deve ser
fixada pela prevenção,
em favor do primeiro Juízo que conheceu dos fatos, no caso, o Juízo Federal da
9ª Vara Criminal da Seção Judiciária de São Paulo/SP, cabendo a este comunicar
o resultado do julgamento
aos demais Juízos Federais, para onde os feitos desmembrados foram remetidos.
Cumpre ressalvar, no entanto, que, em se tratando de autos desmembrados, a
superveniência de sentença inviabiliza a reunião, por força do disposto no art.
82 do Código de Processo Penal (grifo nosso): Art. 82. Se, não obstante a
conexão ou continência, forem instaurados processos diferentes, a autoridade de
jurisdição prevalente deverá avocar os processos que corram perante os outros
juízes, salvo se já estiverem com sentença definitiva.
Art. 78. Na determinação da competência por conexão ou
continência, serão observadas as seguintes regras: (Redação dada pela Lei nº
263, de 23.2.1948)
Il - no concurso de
jurisdições da mesma categoria: (Redação dada pela Lei nº 263, de 23.2.1948)
a) preponderará a do lugar da infração, à qual for
cominada a pena mais grave; (Redação dada pela Lei nº 263, de 23.2.1948);
b) prevalecerá a do lugar em que houver ocorrido o
maior número de infrações, se as respectivas penas forem de igual gravidade;
(Redação dada pela Lei nº 263, de 23.2.1948);
c) firmar-se-á a competência pela prevenção, nos outros
casos; (Redação dada pela Lei nº 263, de 23.2.1948)
Sobre
o tema, o enunciado da Súmula 235/STJ diz :"A conexão não
determina a reunião dos processos, se um deles já foi julgado".
Fonte:
STJ
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