Não é necessária a prova de propriedade do imóvel
para o locador propor ação de despejo de locatário inadimplente e autor de
infração contratual.
No caso, um
locatário, inconformado com a ação de despejo julgada procedente, recorreu
alegando a ilegitimidade do locador para propor a ação, por não ser o
proprietário do imóvel em questão. O locador era o possuidor do imóvel, com escritura pública de cessão de
posse registrada em cartório.
O locatário
invocou o artigo 6º do Código de Processo Civil, segundo o qual “ninguém poderá
pleitear, em nome próprio, direito alheio, salvo quando autorizado por lei”.
A pretensão
inicial de despejo foi embasada nos incisos II e III do artigo 9º da Lei
8.245/91 – também chamada Lei do Inquilinato ou Lei de Locações. Os
dispositivos tratam da prática de infração legal ou contratual e falta de
pagamento de aluguéis, casos em que a legislação de regência não exige a prova
da propriedade do imóvel pelo locador.
Art. 9º A locação também poderá ser desfeita:
(...)II
- em decorrência da prática de infração legal ou contratual;
III - em decorrência da falta de
pagamento do aluguel e demais encargos;
É descabida
a alegação de inexistência de prova que ateste a titularidade do imóvel, uma
vez que é prescindível a exigência de ser proprietário do bem para a propositura
de ação de despejo.
Tendo em
vista a natureza pessoal da relação de locação, o sujeito ativo da ação de
despejo identifica-se com o locador, assim definido no contrato de locação,
podendo ou não coincidir com a figura do proprietário.
Ementa do
julgado:
RECURSO ESPECIAL. LOCAÇÃO. NATUREZA
JURÍDICA. DIREITO PESSOAL. AÇÃO DE DESPEJO POR PRÁTICA DE INFRAÇÃO LEGAL OU
CONTRATUAL E POR INADIMPLEMENTO DE ALUGUÉIS. LEGITIMIDADE ATIVA. PROVA DA
PROPRIEDADE. DESNECESSIDADE. DOUTRINA. 1. Tendo em vista a natureza pessoal da
relação de locação, o sujeito ativo da ação de despejo identifica-se com o
locador, assim definido no respectivo contrato de locação, podendo ou não
coincidir com a figura do proprietário. 2. A Lei nº 8.245/91 (Lei de Locações)
especifica as hipóteses nas quais é exigida a prova da propriedade para a
propositura da ação de despejo. Nos demais casos, é desnecessária a condição de
proprietário para o seu ajuizamento. 3. Recurso especial conhecido e não
provido.
Trechos do
voto do Ministro Relator RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, acolhido por unanimidade
pelos Ministros da 3ª Turma:
“A teor do
artigo 60 da Lei nº 8.245/91, "Nas ações de despejo fundadas no inciso IV
do art. 9º, inciso IV do art. 47 e inciso II do art. 53, a petição inicial
deverá ser instruída com prova da propriedade do imóvel ou do compromisso registrado".
Já o § 2º do artigo 47 dispõe que "Nas hipóteses dos incisos III e IV, o
retomante deverá comprovar ser proprietário, promissário comprador ou
promissário cessionário, em caráter irrevogável, com imissão na posse do imóvel
e título registrado junto à matrícula do mesmo".
Eis as
hipóteses a que fazem referência os referidos dispositivos legais:
Art. 9º A locação também poderá ser
desfeita:
(...) - IV - para a realização de
reparações urgentes determinadas pelo Poder Público, que não possam ser normalmente
executadas com a permanência do locatário no imóvel ou, podendo, ele se recuse
a consenti-las.
Art. 47. Quando ajustada verbalmente ou
por escrito e como prazo inferior a trinta meses, findo o prazo estabelecido, a
locação prorroga-se automaticamente, por prazo indeterminado, somente podendo
ser retomado o imóvel:
(...) - III - se for pedido para uso
próprio, de seu cônjuge ou companheiro, ou para uso residencial de ascendente
ou descendente que não disponha, assim como seu cônjuge ou companheiro, de
imóvel residencial próprio;
IV - se for pedido para demolição e
edificação licenciada ou para a realização de obras aprovadas pelo Poder
Público, que aumentem a área construída, em, no mínimo, vinte por cento ou, se
o imóvel for destinado a exploração de hotel ou pensão, em cinquenta por cento;
Art. 53 - Nas locações de imóveis
utilizados por hospitais, unidades sanitárias oficiais, asilos,
estabelecimentos de saúde e de ensino autorizados e fiscalizados pelo Poder
Público, bem como por entidades religiosas devidamente registradas, o contrato
somente poderá ser rescindido. (Redação dada pela Lei nº 9.256, de 9.1.1996)
(...)II - se o proprietário, promissário
comprador ou promissário cessionário, em caráter irrevogável e imitido na
posse, com título registrado, que haja quitado o preço da promessa ou que, não
o tendo feito, seja autorizado pelo proprietário, pedir o imóvel para
demolição, edificação, licenciada ou reforma que venha a resultar em aumento
mínimo de cinquenta por cento da área útil.
“Da leitura
dos dispositivos acima transcritos, extrai-se que, nas hipóteses elencadas,
exigiu o legislador, por exceção, a prova da condição de proprietário para o
ajuizamento da ação de despejo deixando de estabelecer exigência semelhante
para as demais situações embasadoras da ação. Assim é porque, tendo em vista a natureza pessoal da
relação de locação, o sujeito ativo da ação de despejo identifica-se com o
locador, assim definido no respectivo contrato de locação, podendo ou não
coincidir com a figura do proprietário”.
“A doutrina
especializada de Sylvio Capanema de Souza corrobora esse entendimento”:
"(...) Legitimado, ordinariamente,
para ocupar o polo ativo da relação processual é o locador, ou seja, aquele que
cedeu a posse direta do imóvel ao locatário e que, por consequência lógica,
pode recuperá-la. Não há que se confundir a figura do locador com a do
proprietário, embora seja muito frequente que ambas se fundam na mesma pessoa,
o que, entretanto, não é obrigatório. Constituindo a locação, como se sabe,
mera cessão onerosa da posse de coisa infungível, não se transfere ao locatário
o domínio, tal como acontece, por exemplo, na compra e venda, na permuta ou na
doação. Daí se infere que está autorizado a locar não só o proprietário da
coisa, que dela pode dispor, como o mero possuidor, desde que esteja este
autorizado a ceder a posse. Para assestar em face do locatário sua pretensão
desalijatória, precisa o autor demonstrar, portanto, que é o locador, ou que
esteja a ele equiparado, dispensando-se, na maioria das hipóteses, a prova da
propriedade. É verdade que em algumas situações, como já vimos e que mais a
frente melhor examinaremos, exige a lei que o autor também comprove o domínio,
valendo citar, como exemplo, entre outros, a retomada para uso próprio do
locador, ou de seu ascendente ou descendente. A prova da condição de locador
far-se-á por qualquer dos meios admitidos em direito, inclusive por
testemunhas, se a locação for oralmente contratada " (Da locação do imóvel
urbano: direito e processo. Rio de Janeiro: Forense, 2002, pág. 399).
Ainda sob a
égide da antiga lei do inquilinato (Lei nº 6.649/79), já haviam se pronunciado
Rogério Lauria Tucci e Álvaro Villaça de Azevedo no sentido de que:
(...) Propiciada ao locador, poderá a
ação de despejo ser ajuizada, tanto pelo proprietário do imóvel locado, como
por qualquer pessoa que, em posição à dele equiparada pela legislação em vigor,
especialmente pela Lei do Inquilinato, satisfizer as condições tidas como
indispensáveis, a saber: o promitente comprador ou promitente cessionário, em
caráter irrevogável, e imitido na posse, com título registrado; o possuidor, o
usufrutuário, o enfiteuta, o condômino que administre o imóvel, sem oposição
dos demais (cf. CC, art. 640); o marido, quando se trate de bem pertencente à
esposa, por ele administrado (cf. art. 289, inc. III, também do CC); o
administrador do imóvel, em virtude de representação ou de função judicial,
como o tutor, o curador e o depositário; o mandatário, com poderes de
administração; o credor anticrético e o sublocador " (Tratado da locação
predial urbana. v. 1. São Paulo: Saraiva, 1988, págs. 370-371).
“No caso dos
autos, a pretensão inicial de despejo veio embasada nos incisos II e III do
artigo 9º da Lei nº 8.245/91 (prática de infração legal/contratual e falta de
pagamento de aluguéis) - casos em que a legislação de regência, como visto, não
exige a prova da propriedade do imóvel pelo locador. Compulsando os autos,
verifica-se, outrossim, que a autora se desincumbiu satisfatoriamente do ônus
de demonstrar que figurou no contrato de locação na posição de locadora. Além disso, ambas as instâncias de cognição plena
assentaram a sua condição de possuidora, instrumentalizada por meio de
escritura pública de cessão de posse, devidamente registrada no Cartório
competente. Nesse contexto, não está mesmo a merecer nenhum reparo o
acórdão recorrido que afastou a arguição de ilegitimidade ativa formulada pela
parte ré”.
“Esta Corte
já teve a oportunidade de se manifestar em caso análogo, em que se controvertia
a legitimidade ativa de promitente comprador para propor ação de despejo por inadimplemento
de aluguéis, tendo assentado naquela ocasião que”:
"a priori, a inexistência de prova
da propriedade do imóvel ou do compromisso registrado não enseja a
ilegitimidade do promitente comprador em propor o despejo da locatária que não
adimpliu os aluguéis" (AgRg nos EDcl nos EDcl no Ag 704.933/SP, Rel.
Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 24/08/2009, DJe
14/09/2009).
No mesmo rumo:
DIREITO CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. RECURSO
ESPECIAL. LOCAÇÃO. EXECUÇÃO. LEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM DO LOCADOR. PROVA DA
PROPRIEDADE. DESNECESSIDADE. FATO IMPEDITIVO, MODIFICATIVO OU EXTINTIVO DO
DIREITO DO AUTOR. ÔNUS DA PROVA DO RÉU. CONTRATO DE LOCAÇÃO PRORROGADO POR
TEMPO INDETERMINADO. TÍTULO EXECUTIVO EXTRAJUDICIAL. PRECEDENTES. LIQUIDEZ E
CERTEZA. EXAME. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E
IMPROVIDO. 1. O contrato de locação gera
uma relação jurídica entre locador e locatário, razão pela qual, em princípio,
é dispensável a prova da propriedade do imóvel locado. 2. Tendo o recorrido, na
espécie, demonstrado sua condição de locador mediante a apresentação do
respectivo contrato de locação, assinado, inclusive, pelos recorrentes, na
condição de fiadores, competiria a estes últimos comprovar a existência de fato
impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor, conforme disposto no
art. 333, II, do CPC. 3. Constitui título executivo judicial o contrato de
locação escrito, devidamente assinado pelos contratantes, ainda que o contrato
tenha se prorrogado por tempo indeterminado. Inteligência do art. 585, IV, do
CPC. Precedentes. 4. O exame da liquidez e certeza do crédito pleiteado
demandaria o revolvimento de matéria fático-probatória, impossível pela via
especial, por atrair o óbice da Súmula 7/STJ. 5. Recurso especial conhecido e
improvido ". (REsp 953.150/SP, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, QUINTA
TURMA, julgado em 07/10/2008, DJe 01/12/2008)
“Por fim, ainda vale referir o AgRg no AgRg no Ag
610.607/MG, Relatora a Ministra Maria Thereza de Assis Moura, julgado pela
Sexta Turma, em 25/6/2009, com especial destaque ao enfoque dado ao caso sob a
ótica do princípio da boa-fé objetiva cuja função de relevo "é impedir que
o contratante adote comportamento que contrarie o conteúdo de manifestação
anterior, cuja seriedade o outro pactuante confiou" de modo que "celebrado
contrato de locação de imóvel objeto de usufruto, fere a boa-fé objetiva a
atitude da locatária que, após exercer a posse direta do imóvel por mais de
dois anos, alega que o locador, por ser o nú-proprietário do bem, não detém
legitimidade para promover a execução dos aluguéis não adimplidos ".
Fonte: STJ
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