sábado, 16 de março de 2013

STJ - Despejo de locatário inadimplente não exige prova de propriedade pelo locador - REsp 1196824 - RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA - TERCEIRA TURMA - 04.03.2013



Não é necessária a prova de propriedade do imóvel para o locador propor ação de despejo de locatário inadimplente e autor de infração contratual.

No caso, um locatário, inconformado com a ação de despejo julgada procedente, recorreu alegando a ilegitimidade do locador para propor a ação, por não ser o proprietário do imóvel em questão. O locador era o possuidor do imóvel, com escritura pública de cessão de posse registrada em cartório.

O locatário invocou o artigo 6º do Código de Processo Civil, segundo o qual “ninguém poderá pleitear, em nome próprio, direito alheio, salvo quando autorizado por lei”.

A pretensão inicial de despejo foi embasada nos incisos II e III do artigo 9º da Lei 8.245/91 – também chamada Lei do Inquilinato ou Lei de Locações. Os dispositivos tratam da prática de infração legal ou contratual e falta de pagamento de aluguéis, casos em que a legislação de regência não exige a prova da propriedade do imóvel pelo locador.

   Art. 9º A locação também poderá ser desfeita:
   (...)II - em decorrência da prática de infração legal ou contratual;
    III - em decorrência da falta de pagamento do aluguel e demais encargos;


É descabida a alegação de inexistência de prova que ateste a titularidade do imóvel, uma vez que é prescindível a exigência de ser proprietário do bem para a propositura de ação de despejo.

Tendo em vista a natureza pessoal da relação de locação, o sujeito ativo da ação de despejo identifica-se com o locador, assim definido no contrato de locação, podendo ou não coincidir com a figura do proprietário.

Ementa do julgado:

RECURSO ESPECIAL. LOCAÇÃO. NATUREZA JURÍDICA. DIREITO PESSOAL. AÇÃO DE DESPEJO POR PRÁTICA DE INFRAÇÃO LEGAL OU CONTRATUAL E POR INADIMPLEMENTO DE ALUGUÉIS. LEGITIMIDADE ATIVA. PROVA DA PROPRIEDADE. DESNECESSIDADE. DOUTRINA. 1. Tendo em vista a natureza pessoal da relação de locação, o sujeito ativo da ação de despejo identifica-se com o locador, assim definido no respectivo contrato de locação, podendo ou não coincidir com a figura do proprietário. 2. A Lei nº 8.245/91 (Lei de Locações) especifica as hipóteses nas quais é exigida a prova da propriedade para a propositura da ação de despejo. Nos demais casos, é desnecessária a condição de proprietário para o seu ajuizamento. 3. Recurso especial conhecido e não provido.

Trechos do voto do Ministro Relator RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, acolhido por unanimidade pelos Ministros da 3ª Turma:

“A teor do artigo 60 da Lei nº 8.245/91, "Nas ações de despejo fundadas no inciso IV do art. 9º, inciso IV do art. 47 e inciso II do art. 53, a petição inicial deverá ser instruída com prova da propriedade do imóvel ou do compromisso registrado". Já o § 2º do artigo 47 dispõe que "Nas hipóteses dos incisos III e IV, o retomante deverá comprovar ser proprietário, promissário comprador ou promissário cessionário, em caráter irrevogável, com imissão na posse do imóvel e título registrado junto à matrícula do mesmo".

Eis as hipóteses a que fazem referência os referidos dispositivos legais:

Art. 9º A locação também poderá ser desfeita:
(...) - IV - para a realização de reparações urgentes determinadas pelo Poder Público, que não possam ser normalmente executadas com a permanência do locatário no imóvel ou, podendo, ele se recuse a consenti-las.
Art. 47. Quando ajustada verbalmente ou por escrito e como prazo inferior a trinta meses, findo o prazo estabelecido, a locação prorroga-se automaticamente, por prazo indeterminado, somente podendo ser retomado o imóvel:
(...) - III - se for pedido para uso próprio, de seu cônjuge ou companheiro, ou para uso residencial de ascendente ou descendente que não disponha, assim como seu cônjuge ou companheiro, de imóvel residencial próprio;
IV - se for pedido para demolição e edificação licenciada ou para a realização de obras aprovadas pelo Poder Público, que aumentem a área construída, em, no mínimo, vinte por cento ou, se o imóvel for destinado a exploração de hotel ou pensão, em cinquenta por cento;
Art. 53 - Nas locações de imóveis utilizados por hospitais, unidades sanitárias oficiais, asilos, estabelecimentos de saúde e de ensino autorizados e fiscalizados pelo Poder Público, bem como por entidades religiosas devidamente registradas, o contrato somente poderá ser rescindido. (Redação dada pela Lei nº 9.256, de 9.1.1996)
(...)II - se o proprietário, promissário comprador ou promissário cessionário, em caráter irrevogável e imitido na posse, com título registrado, que haja quitado o preço da promessa ou que, não o tendo feito, seja autorizado pelo proprietário, pedir o imóvel para demolição, edificação, licenciada ou reforma que venha a resultar em aumento mínimo de cinquenta por cento da área útil.

“Da leitura dos dispositivos acima transcritos, extrai-se que, nas hipóteses elencadas, exigiu o legislador, por exceção, a prova da condição de proprietário para o ajuizamento da ação de despejo deixando de estabelecer exigência semelhante para as demais situações embasadoras da ação. Assim é porque, tendo em vista a natureza pessoal da relação de locação, o sujeito ativo da ação de despejo identifica-se com o locador, assim definido no respectivo contrato de locação, podendo ou não coincidir com a figura do proprietário”.

“A doutrina especializada de Sylvio Capanema de Souza corrobora esse entendimento”:

"(...) Legitimado, ordinariamente, para ocupar o polo ativo da relação processual é o locador, ou seja, aquele que cedeu a posse direta do imóvel ao locatário e que, por consequência lógica, pode recuperá-la. Não há que se confundir a figura do locador com a do proprietário, embora seja muito frequente que ambas se fundam na mesma pessoa, o que, entretanto, não é obrigatório. Constituindo a locação, como se sabe, mera cessão onerosa da posse de coisa infungível, não se transfere ao locatário o domínio, tal como acontece, por exemplo, na compra e venda, na permuta ou na doação. Daí se infere que está autorizado a locar não só o proprietário da coisa, que dela pode dispor, como o mero possuidor, desde que esteja este autorizado a ceder a posse. Para assestar em face do locatário sua pretensão desalijatória, precisa o autor demonstrar, portanto, que é o locador, ou que esteja a ele equiparado, dispensando-se, na maioria das hipóteses, a prova da propriedade. É verdade que em algumas situações, como já vimos e que mais a frente melhor examinaremos, exige a lei que o autor também comprove o domínio, valendo citar, como exemplo, entre outros, a retomada para uso próprio do locador, ou de seu ascendente ou descendente. A prova da condição de locador far-se-á por qualquer dos meios admitidos em direito, inclusive por testemunhas, se a locação for oralmente contratada " (Da locação do imóvel urbano: direito e processo. Rio de Janeiro: Forense, 2002, pág. 399).

Ainda sob a égide da antiga lei do inquilinato (Lei nº 6.649/79), já haviam se pronunciado Rogério Lauria Tucci e Álvaro Villaça de Azevedo no sentido de que:

(...) Propiciada ao locador, poderá a ação de despejo ser ajuizada, tanto pelo proprietário do imóvel locado, como por qualquer pessoa que, em posição à dele equiparada pela legislação em vigor, especialmente pela Lei do Inquilinato, satisfizer as condições tidas como indispensáveis, a saber: o promitente comprador ou promitente cessionário, em caráter irrevogável, e imitido na posse, com título registrado; o possuidor, o usufrutuário, o enfiteuta, o condômino que administre o imóvel, sem oposição dos demais (cf. CC, art. 640); o marido, quando se trate de bem pertencente à esposa, por ele administrado (cf. art. 289, inc. III, também do CC); o administrador do imóvel, em virtude de representação ou de função judicial, como o tutor, o curador e o depositário; o mandatário, com poderes de administração; o credor anticrético e o sublocador " (Tratado da locação predial urbana. v. 1. São Paulo: Saraiva, 1988, págs. 370-371).

“No caso dos autos, a pretensão inicial de despejo veio embasada nos incisos II e III do artigo 9º da Lei nº 8.245/91 (prática de infração legal/contratual e falta de pagamento de aluguéis) - casos em que a legislação de regência, como visto, não exige a prova da propriedade do imóvel pelo locador. Compulsando os autos, verifica-se, outrossim, que a autora se desincumbiu satisfatoriamente do ônus de demonstrar que figurou no contrato de locação na posição de  locadora. Além disso, ambas as instâncias de cognição plena assentaram a sua condição de possuidora, instrumentalizada por meio de escritura pública de cessão de posse, devidamente registrada no Cartório competente. Nesse contexto, não está mesmo a merecer nenhum reparo o acórdão recorrido que afastou a arguição de ilegitimidade ativa formulada pela parte ré”.

“Esta Corte já teve a oportunidade de se manifestar em caso análogo, em que se controvertia a legitimidade ativa de promitente comprador para propor ação de despejo por inadimplemento de aluguéis, tendo assentado naquela ocasião que”:

"a priori, a inexistência de prova da propriedade do imóvel ou do compromisso registrado não enseja a ilegitimidade do promitente comprador em propor o despejo da locatária que não adimpliu os aluguéis" (AgRg nos EDcl nos EDcl no Ag 704.933/SP, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 24/08/2009, DJe 14/09/2009).
No mesmo rumo:
DIREITO CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. LOCAÇÃO. EXECUÇÃO. LEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM DO LOCADOR. PROVA DA PROPRIEDADE. DESNECESSIDADE. FATO IMPEDITIVO, MODIFICATIVO OU EXTINTIVO DO DIREITO DO AUTOR. ÔNUS DA PROVA DO RÉU. CONTRATO DE LOCAÇÃO PRORROGADO POR TEMPO INDETERMINADO. TÍTULO EXECUTIVO EXTRAJUDICIAL. PRECEDENTES. LIQUIDEZ E CERTEZA. EXAME. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E
IMPROVIDO. 1. O contrato de locação gera uma relação jurídica entre locador e locatário, razão pela qual, em princípio, é dispensável a prova da propriedade do imóvel locado. 2. Tendo o recorrido, na espécie, demonstrado sua condição de locador mediante a apresentação do respectivo contrato de locação, assinado, inclusive, pelos recorrentes, na condição de fiadores, competiria a estes últimos comprovar a existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor, conforme disposto no art. 333, II, do CPC. 3. Constitui título executivo judicial o contrato de locação escrito, devidamente assinado pelos contratantes, ainda que o contrato tenha se prorrogado por tempo indeterminado. Inteligência do art. 585, IV, do CPC. Precedentes. 4. O exame da liquidez e certeza do crédito pleiteado demandaria o revolvimento de matéria fático-probatória, impossível pela via especial, por atrair o óbice da Súmula 7/STJ. 5. Recurso especial conhecido e improvido ". (REsp 953.150/SP, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, QUINTA TURMA, julgado em 07/10/2008, DJe 01/12/2008)

“Por fim, ainda vale referir o AgRg no AgRg no Ag 610.607/MG, Relatora a Ministra Maria Thereza de Assis Moura, julgado pela Sexta Turma, em 25/6/2009, com especial destaque ao enfoque dado ao caso sob a ótica do princípio da boa-fé objetiva cuja função de relevo "é impedir que o contratante adote comportamento que contrarie o conteúdo de manifestação anterior, cuja seriedade o outro pactuante confiou" de modo que "celebrado contrato de locação de imóvel objeto de usufruto, fere a boa-fé objetiva a atitude da locatária que, após exercer a posse direta do imóvel por mais de dois anos, alega que o locador, por ser o nú-proprietário do bem, não detém legitimidade para promover a execução dos aluguéis não adimplidos ".

Fonte: STJ

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