O titular de marca
estrangeira e a sua distribuidora autorizada com exclusividade no Brasil devem,
solidariamente, indenizar, na modalidade de lucros cessantes, a sociedade
empresarial que, durante longo período, tenha adquirido daqueles, de maneira
consentida, produtos para revenda no território brasileiro, na hipótese de abrupta recusa à continuação das vendas, ainda que não
tenha sido firmado qualquer contrato de distribuição entre eles e a sociedade
revendedora dos produtos.
A
longa aquiescência do titular de marca estrangeira e da sua distribuidora
autorizada no Brasil, na realização das compras pela sociedade revendedora,
resulta “direito de comprar” titularizado por aquela sociedade.
Assim, a “recusa de vender”
implica violação do “direito de comprar”, nos termos o art. 186 do CC, fazendo
surgir, dessa maneira, o direito à indenização.
Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão
voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem,
ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
Apesar do registro
validamente expedido assegurar ao seu titular o direito de uso exclusivo da
marca em todo o território nacional, ele não constitui óbice à livre
concorrência entre produtos autênticos da mesma marca de origens diversas.
A função moderna da marca é
distinguir produtos e serviços entre si, de modo que a importação paralela de
produtos autênticos em nada afeta os direitos do proprietário da marca.
A aplicação da técnica da interpretação
conforme a Constituição ao art. 132, inciso III, da Lei 9.179/96, enseja a
conclusão de que só é vedada a importação paralela de produtos contrafeitos,
que imitam, reproduzem ou falsificam fraudulentamente outros de marca
registrada.
Sublinhe-se, por outro lado,
que o dispositivo legal é nitidamente destinado ao titular da marca e encerra
uma proibição: se o produto for colocado no território nacional, por si ou por
outrem com seu consentimento, o titular da marca não poderá impedir a sua livre
circulação.
A licitude do ingresso do
produto no território nacional, portanto, está intimamente ligada ao
consentimento do titular da marca. Em outras palavras, havendo o seu
consentimento, a importação será permitida. É que os direitos de propriedade
industrial protegidos pela Lei nº 9.279/96, como não poderia deixar de ser,
encontram limites no nosso ordenamento jurídico, de modo a não obstar outros
direitos relevantes, tais como aqueles consagrados no princípio da livre
concorrência.
O regramento da importação
paralela situa-se, portanto, entre o direito de propriedade industrial - que
estimula o progresso tecnológico e, por consequência, o desenvolvimento do
sistema produtivo - e o princípio da livre concorrência, pilar da ordem
econômica e, ao mesmo tempo, elemento de proteção da coletividade e dos
direitos do consumidor.
No caso em apreço, ambas as
instâncias de cognição plena, à luz do conjunto fático-probatório dos autos,
identificaram a anuência tácita do titular da marca, identificada pela inércia
na promoção de medidas destinadas à paralisação das importações realizadas pela
ora recorrida, ao longo de aproximadamente 15 (quinze) anos, cujo conhecimento
é evidenciado, ademais, pelo longo período de relacionamento comercial
estabelecido entre as partes.
É importante observar - que o
legislador faz referência ao substantivo 'consentimento', silenciando quanto ao
aspecto formal do ato (se tácito ou escrito). O fez, todavia, na pressuposição
de que os negócios comerciais, mormente em se cuidando de importação, são
realizados às claras, com rigorosa fiscalização da Receita Federal, além da
ostensiva exposição da mercadoria para venda ao consumidor, após o desembaraço
aduaneiro.
Contudo, a tolerância manifestada pela
titular da marca do Brasil, ainda que por prolongado período, não lhe retira o
direito de exercer a faculdade que lhe confere a lei, de não mais permitir
importações paralelas, de modo que o STJ declarou ilegais somente as
importações ocorridas, após incontroversa a discordância do titular da marca.
Fonte: STJ