sexta-feira, 10 de maio de 2013

REsp 1263480 - RELATOR(A): Min. HUMBERTO MARTINS - SEGUNDA TURMA - DIREITO ADMINISTRATIVO E OUTRAS MATÉRIAS DE DIREITO PÚBLICO - Servidor Público Civil. 01.09.2010.


Boa-fé da administração

O princípio da boa-fé permeia a Constituição e está expresso em várias leis regedoras das atividades administrativas, como a Lei de Licitação, Concessões e Permissões de Serviço Público e a do Regime Jurídico Único dos Servidores Públicos.

Se é certo que se exige boa-fé do cidadão ao se relacionar com a administração, não há dúvida da sua indispensabilidade no tocante ao comportamento do administrador público.

E quando impõe obrigações a terceiros, é fundamental que a administração aja com boa-fé, pondere os diferentes interesses e considere a realidade a que se destina sua atuação, sendo direito subjetivo público de qualquer cidadão um mínimo de segurança no tocante à confiabilidade ético-social das ações dos agentes estatais.

A proteção da boa-fé na esfera pública leva à impossibilidade de o estado violar a confiança que a própria presunção de legitimidade dos atos administrativos traz, agindo contra factum proprium.

Verbas a título precário

A Lei 8.112/90 prevê a reposição ao erário do pagamento feito indevidamente ao servidor público. O STJ tem decidido neste sentido, inclusive, quando os valores são pagos aos servidores em decorrência de decisão judicial de característica precária ou não definitiva (REsp 1.263.480).

Veja-se a ementa do julgado:

ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. VALORES RECEBIDOS INDEVIDAMENTE POR FORÇA DE DECISÃO JUDICIAL NÃO DEFINITIVA. REFORMA DA DECISÃO EM RECURSO ESPECIAL. CRITÉRIOS PARA IDENTIFICAÇÃO DA BOA-FÉ OBJETIVA. INEXISTÊNCIA DE COMPORTAMENTO AMPARADO PELO DIREITO NO CASO CONCRETO. POSSIBILIDADE DE RESTITUIÇÃO DOS VALORES ART. 46 DA LEI N. 8.112/90. NÃO APLICABILIDADE DA SÚMULA 7/STJ. 1. O art. 46 da Lei n. 8.112/90 prevê a possibilidade de restituição dos valores pagos indevidamente aos servidores públicos. Trata-se de disposição legal expressa, não declarada inconstitucional e, portanto, plenamente válida. 2. Esta regra, contudo, tem sido interpretada pela jurisprudência com alguns temperamentos, mormente em decorrência de princípios gerais do direito, como a boa-fé. A aplicação desse postulado, por vezes, tem impedido que valores pagos indevidamente sejam devolvidos. 3. A boa-fé não deve ser aferida no real estado anímico do sujeito, mas sim naquilo que ele exterioriza. Em bom vernáculo, para concluir se o agente estava ou não de boa-fé, torna-se necessário analisar se o seu comportamento foi leal, ético, ou se havia justificativa amparada no direito. Busca-se, segundo a doutrina, a chamada boa-fé objetiva. 4. Na análise de casos similares, o Superior Tribunal de Justiça tem considerado, ainda que implicitamente, um elemento fático como decisivo na identificação da boa-fé do servidor. Trata-se da legítima confiança ou justificada expectativa, que o beneficiário adquire, de que valores recebidos são legais e de que integraram em definitivo o seu patrimônio. 5. É por esse motivo que, segundo esta Corte Superior, os valores recebidos indevidamente, em razão de erro cometido pela Administração Pública ou em decorrência de decisão judicial transitada em julgado e posteriormente reformada em ação rescisória, não devem ser restituídos ao erário. Em ambas as situações, eventual utilização dos recursos por parte dos servidores para a satisfação das necessidades materiais e alimentares é plenamente justificada. Objetivamente, a fruição do que foi recebido indevidamente está acobertada pela boa-fé, que, por sua vez, é consequência da legítima confiança de que os valores integraram em definitivo o patrimônio do beneficiário. 6. Situação diferente - e por isso a jurisprudência do STJ permite a restituição - ocorre quando os valores são pagos aos servidores em decorrência de decisão judicial de característica precária ou não definitiva. Aqui não há presunção de definitividade e, se houve confiança neste sentido, esta não era legítima, ou seja, não era amparada pelo direito. 7. Se não havia razão para que o servidor confiasse que os recursos recebidos integraram em definitivo o seu patrimônio, qualquer ato de disposição desses valores, ainda que para fins alimentares, salvo situações emergenciais e excepcionais, não pode estar acobertado pela boa-fé, já que, é princípio basilar, tanto na ética quanto no direito, ninguém pode dispor do que não possui. 8. No caso dos autos, os valores que foram pagos aos servidores não são decorrência de erro de cálculo efetuado pela administração, mas sim de decisão judicial que ainda não havia transitado em julgado, e que foi posteriormente reformada. Ademais, em nenhum momento houve concordância da administração com a quantia que foi paga, o que demonstra que sempre houve controvérsia a respeito da titularidade. 9. Se os agravantes utilizaram desses valores, sem possuir a legítima confiança de que lhes pertenciam, não há como identificar a boa-fé objetiva nessa conduta. Portanto, sendo a decisão judicial final desfavorável aos servidores, a devolução do que foi pago indevidamente se faz possível, nos termos do art. 46 da Lei n. 8.112/90. 10. Vale ressaltar que concluir pela ausência de boa-fé objetiva dos agravantes não implica em violação da Súmula 7/STJ, pois em nenhum momento se negou ou alterou os fatos que foram consignados pela instância ordinária, eles apenas sofreram uma nova qualificação jurídica. Agravo regimental improvido.

Por fim, em obiter dictum, é preciso deixar claro que não é o simples fato de a decisão judicial ter natureza precária que possibilita a devolução dos valores recebidos. Na verdade, a definitividade ou não do pronunciamento judicial servirá apenas como baliza, como vetor, que orientará o juiz na apreciação da boa-fé objetiva, porém, é o caso concreto que dará a última palavra sobre a lisura da conduta do sujeito.

Em alguns casos, a fruição de qualquer prestação recebida em razão de tutela de urgência será totalmente justificada, como, por exemplo, quando se pleiteia judicialmente que o Poder Público custeie um tratamento médico.

Nessa situação hipotética, a própria situação emergencial ampara o comportamento do beneficiário na utilização dos valores recebidos, de modo que a boa-fé mostra-se presente ainda que a decisão judicial não fosse definitiva.

Fonte: STJ.

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