Boa-fé da administração
O princípio da boa-fé
permeia a Constituição e está expresso em várias leis regedoras das atividades
administrativas, como a Lei de Licitação, Concessões e Permissões de Serviço
Público e a do Regime Jurídico Único dos Servidores Públicos.
Se é certo que se exige
boa-fé do cidadão ao se relacionar com a administração, não há dúvida da sua
indispensabilidade no tocante ao comportamento do administrador público.
E quando impõe obrigações a
terceiros, é fundamental que a administração aja com boa-fé, pondere os
diferentes interesses e considere a realidade a que se destina sua atuação,
sendo direito subjetivo público de qualquer cidadão um mínimo de segurança no
tocante à confiabilidade ético-social das ações dos agentes estatais.
A proteção da boa-fé na esfera pública leva
à impossibilidade de o estado violar a confiança que a própria presunção de
legitimidade dos atos administrativos traz, agindo contra factum proprium.
Verbas a título precário
A Lei 8.112/90 prevê a
reposição ao erário do pagamento feito indevidamente ao servidor público. O STJ
tem decidido neste sentido, inclusive, quando os valores são pagos aos
servidores em decorrência de decisão judicial de característica precária ou não
definitiva (REsp 1.263.480).
Veja-se a ementa do julgado:
ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. VALORES
RECEBIDOS INDEVIDAMENTE POR FORÇA DE DECISÃO JUDICIAL NÃO DEFINITIVA. REFORMA
DA DECISÃO EM RECURSO ESPECIAL. CRITÉRIOS PARA IDENTIFICAÇÃO DA BOA-FÉ
OBJETIVA. INEXISTÊNCIA DE COMPORTAMENTO AMPARADO PELO DIREITO NO CASO CONCRETO.
POSSIBILIDADE DE RESTITUIÇÃO DOS VALORES ART. 46 DA LEI N. 8.112/90. NÃO
APLICABILIDADE DA SÚMULA 7/STJ. 1. O art. 46 da Lei n. 8.112/90 prevê a
possibilidade de restituição dos valores pagos indevidamente aos servidores
públicos. Trata-se de disposição legal expressa, não declarada inconstitucional
e, portanto, plenamente válida. 2. Esta regra, contudo, tem sido interpretada
pela jurisprudência com alguns temperamentos, mormente em decorrência de
princípios gerais do direito, como a boa-fé. A aplicação desse postulado, por
vezes, tem impedido que valores pagos indevidamente sejam devolvidos. 3. A
boa-fé não deve ser aferida no real estado anímico do sujeito, mas sim naquilo
que ele exterioriza. Em bom vernáculo, para concluir se o agente estava ou não
de boa-fé, torna-se necessário analisar se o seu comportamento foi leal, ético,
ou se havia justificativa amparada no direito. Busca-se, segundo a doutrina, a
chamada boa-fé objetiva. 4. Na análise de casos
similares, o Superior Tribunal de Justiça tem considerado, ainda que
implicitamente, um elemento fático como decisivo na identificação da boa-fé do
servidor. Trata-se da legítima confiança ou justificada expectativa, que o
beneficiário adquire, de que valores recebidos são legais e de que integraram
em definitivo o seu patrimônio. 5. É por esse motivo que, segundo esta
Corte Superior, os valores recebidos indevidamente, em razão de erro cometido
pela Administração Pública ou em decorrência de decisão judicial transitada em
julgado e posteriormente reformada em ação rescisória, não devem ser
restituídos ao erário. Em ambas as situações, eventual utilização dos recursos
por parte dos servidores para a satisfação das necessidades materiais e
alimentares é plenamente justificada. Objetivamente, a fruição do que foi
recebido indevidamente está acobertada pela boa-fé, que, por sua vez, é
consequência da legítima confiança de que os valores integraram em definitivo o
patrimônio do beneficiário. 6. Situação diferente - e por isso a
jurisprudência do STJ permite a restituição - ocorre quando os valores são
pagos aos servidores em decorrência de decisão judicial de característica
precária ou não definitiva. Aqui não há presunção de definitividade e, se houve
confiança neste sentido, esta não era legítima, ou seja, não era amparada pelo direito. 7. Se
não havia razão para que o servidor confiasse que os recursos recebidos
integraram em definitivo o seu patrimônio, qualquer ato de disposição desses
valores, ainda que para fins alimentares, salvo situações
emergenciais e excepcionais, não pode estar acobertado pela boa-fé, já que, é princípio basilar,
tanto na ética quanto no direito, ninguém pode dispor do que não possui.
8. No caso dos autos, os valores que foram pagos aos servidores não são decorrência
de erro de cálculo efetuado pela administração, mas sim de decisão judicial que
ainda não havia transitado em julgado, e que foi posteriormente reformada.
Ademais, em nenhum momento houve concordância da administração com a quantia
que foi paga, o que demonstra que sempre houve controvérsia a respeito da
titularidade. 9. Se os agravantes utilizaram desses valores, sem possuir a
legítima confiança de que lhes pertenciam, não há como identificar a boa-fé
objetiva nessa conduta. Portanto, sendo a decisão judicial final desfavorável
aos servidores, a devolução do que foi pago indevidamente se faz possível, nos
termos do art. 46 da Lei n. 8.112/90. 10.
Vale ressaltar que concluir pela ausência de boa-fé objetiva dos agravantes não
implica em violação da Súmula 7/STJ, pois em nenhum momento se negou ou alterou
os fatos que foram consignados pela instância ordinária, eles apenas sofreram uma nova
qualificação jurídica. Agravo regimental improvido.
Por fim, em obiter dictum, é
preciso deixar claro que não é o simples fato de a decisão judicial ter
natureza precária que possibilita a devolução dos valores recebidos. Na
verdade, a definitividade ou não do pronunciamento judicial servirá apenas como
baliza, como vetor, que orientará o juiz na apreciação da boa-fé objetiva,
porém, é o caso concreto que dará a última palavra sobre a lisura da conduta do
sujeito.
Em alguns casos, a fruição de qualquer prestação
recebida em razão de tutela de urgência será totalmente justificada, como, por
exemplo, quando se pleiteia judicialmente que o Poder Público custeie um
tratamento médico.
Nessa situação hipotética, a
própria situação emergencial ampara o comportamento do beneficiário na utilização
dos valores recebidos, de modo que a boa-fé mostra-se presente ainda que a
decisão judicial não fosse definitiva.
Fonte: STJ.
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