Lei
municipal que concedera à viúva de ex-prefeito, falecido no curso do mandato,
pensão vitalícia equivalente a 30% dos vencimentos por ele percebidos, encontra
base material de apoio na Constituição.
Não
há empecilho constitucional à edição de leis sem caráter geral e abstrato,
providas apenas de efeitos concretos e individualizados. Há matérias a cujo
respeito a disciplina não pode ser conferida por ato administrativo, demandando
a edição de lei, ainda que em sentido meramente formal. É o caso da concessão
de pensões especiais.
O
tratamento privilegiado a certas pessoas somente pode ser considerado ofensivo
ao princípio da igualdade ou da moralidade quando não decorrer de uma causa
razoavelmente justificada.
No
caso, tanto a petição inicial, quanto os atos decisórios das instâncias
ordinárias, se limitaram a considerar “imoral” a lei por ter conferido
tratamento privilegiado a uma pessoa, sem, contudo, fazer juízo algum, por
mínimo que fosse, sobre a razoabilidade ou não, em face das circunstâncias de
fato e de direito, da concessão do privilégio. A se considerar
imoral a lei, pelo só tratamento privilegiado a certos destinatários,
certamente seriam inconstitucionais, apenas para citar um exemplo, todas as
leis que estabelecem isenções fiscais.
A
moralidade, como princípio da Administração Pública (art. 37) e como requisito
de validade dos atos administrativos (art. 5.º, LXXIII), tem a sua fonte por
excelência no sistema de direito, sobretudo no ordenamento
jurídico-constitucional, sendo certo que os valores humanos que inspiram e
subjazem a esse ordenamento constituem, em muitos casos, a concretização
normativa de valores retirados da pauta dos direitos naturais, ou do patrimônio
ético e moral consagrado pelo senso comum da sociedade.
A
quebra da moralidade administrativa se caracteriza pela desarmonia entre a
expressão formal (= a aparência) do ato e a sua expressão real (= a sua
substância), criada e derivada de impulsos subjetivos viciados quanto aos
motivos, ou à causa, ou à finalidade da atuação administrativa.
Nas
palavras do Ministro Teori Zavaski:
“Não há dúvida de que a lei deu
tratamento privilegiado – e, portanto, anti-isonômico - a certa pessoa, mas
também isso, por si só, não pode ser considerado “imoral”. Para tanto, seria indispensável
demonstrar que o tratamento discriminatório não tem qualquer motivo razoável. O
que a Constituição proíbe não é, propriamente, o tratamento privilegiado, mas a
concessão de privilégios injustificados e injustificáveis. Um mínimo de
investigação a respeito das causas que determinaram o tratamento privilegiado
seria, portanto, indispensável à declaração de nulidade por “imoralidade”.
Convém enfatizar – e aqui pedimos licença para invocar o que registramos em
sede doutrinária (Processo Coletivo – tutela de direitos coletivos e tutela
coletiva de direitos, 5ª ed., SP:RT, 2.011, p. 82 e seguintes) - que a
moralidade, tal como erigida na Constituição - como princípio da Administração
Pública (art. 37) e como requisito de validade dos atos administrativos (art.
5.º,LXXIII) -, não é, simplesmente, um puro produto do jusnaturalismo, ou da
ética, ou da moral, ou da religião. É o sistema de direito, o ordenamento
jurídico e, sobretudo, o ordenamento jurídico-constitucional a sua fonte por
excelência, e é nela que se devem buscar a substância e o significado do
referido princípio. É certo que os valores humanos, que inspiram o ordenamento
jurídico e a ele subjazem, constituem, em muitos casos, inegavelmente, a
concretização normativa de valores retirados da pauta dos direitos naturais, ou
do patrimônio ético e moral consagrado pelo senso comum da sociedade. Sob esse aspecto, há, sem dúvida, vasos comunicantes entre o mundo da normatividade
jurídica e o mundo normativo não jurídico (natural, ético, moral), razão pela
qual esse último, tendo servido como fonte primária do surgimento daquele,
constitui também um importante instrumento para a sua compreensão e
interpretação. É por isso mesmo que o enunciado do princípio da
moralidade administrativa – que, repita-se, tem natureza essencialmente
jurídica – está associado à gama de virtudes e valores de natureza moral e
ética: honestidade, lealdade, boa-fé, bons costumes, equidade, justiça. São
valores e virtudes que dizem respeito à pessoa do agente administrativo, a
evidenciar que os vícios do ato administrativo por ofensa à moralidade são
derivados de causas subjetivas, relacionadas com a intimidade de quem o edita:
as suas intenções, os seus interesses, a sua vontade. Ato administrativo
moralmente viciado é, portanto, um ato contaminado por uma forma especial de
ilegalidade: a ilegalidade qualificada por elemento subjetivo da conduta do
agente que o pratica. Estará atendido o princípio da moralidade administrativa
quando a força interior e subjetiva que impulsiona o agente à prática do ato
guardar adequada relação de compatibilidade com os interesses públicos a que
deve visar a atividade administrativa. Se, entretanto, essa relação de
compatibilidade for rompida – por exemplo, quando o agente, ao contrário do que
se deve razoavelmente esperar do bom administrador, for desonesto em suas intenções,
for desleal para com a Administração Pública, agir de má-fé para com o
administrado, substituir os interesses da sociedade pelos seus interesses
pessoais –, estará concretizada ofensa à moralidade administrativa, causa
suficiente de nulidade do ato. (...) o desvio de finalidade e o
abuso de poder (vícios originados da estrutura subjetiva do agente) são
considerados defeitos tipicamente relacionados com a violação à moralidade.
Pode-se afirmar, em suma, que a lesão ao princípio da moralidade administrativa
é, rigorosamente, uma lesão a valores e princípios incorporados ao ordenamento
jurídico, constituindo, portanto, uma injuridicidade, uma ilegalidade lato
sensu. Todavia, é uma ilegalidade qualificada pela gravidade do vício que
contamina a causa e a finalidade do ato, derivado da ilícita conduta subjetiva
do agente. O registro dessas premissas é importante para reafirmar a
indispensabilidade da investigação do elemento subjetivo da conduta dos agentes
públicos como condição inafastável para caracterizar a violação ao princípio da
moralidade administrativa e, com base nele, anular o ato”.
Ao
longo do acordão, são citados vários casos onde se entendeu pela legalidade de
instituição de pensões a viúva de agentes políticos. A ministra relatora
originária era a Ministra Ellen Gracie que em resumo disse ser contra a
referida pensão, pois não se pode fazer caridade com os cofres públicos.
Fonte:
STF
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