A existência de propriedade,
devidamente registrada, não inibe a Funai de investigar e demarcar terras
indígenas, caso contrário seria praticamente impossível a demarcação de novas
áreas, pelo menos de maneira contínua, já que boa parte do território nacional
já se encontra nas mãos de particulares.
Uma vez constatada a posse
imemorial na área pelos indígenas, não há que se invocar, em defesa do direito
de propriedade, o título translativo, nem a cadeia sucessória do domínio,
documentos que somente servem para demonstrar a boa-fé dos atuais titulares e,
se for o caso, ensejar indenização pelas benfeitorias realizadas.
Segundo o artigo 231 da Constituição,
pertencem aos índios as terras por estes tradicionalmente ocupadas, sendo nulos
quaisquer atos translativos do domínio, ainda que de boa-fé.
Portanto, a demarcação de terras
indígenas, se regular, não fere o direito de propriedade.
As terras tradicionalmente ocupadas
pelos índios incluem-se no domínio constitucional da União. Assim, as áreas
nessas condições são inalienáveis, indisponíveis e insuscetíveis de prescrição
aquisitiva.
Mesmo que comprovada a
titulação de determinada área, se essa for considerada como de ocupação
indígena tradicional, os títulos existentes, mesmo que justos, são nulos, de
acordo com o já citado artigo 231 da Constituição.
No caso, foi impetrado
mandado de segurança, com pedido liminar, contra ato supostamente abusivo e
ilegal do Ministro de Estado da Justiça, consubstanciado na Portaria n.º
3.076/2010 (DOU de 28.9.10), por meio da qual declarou de posse permanente do
grupo Guarani Nhandéva a Terra Indígena Sombrerito/MS.
O Decreto n.º 1.775/96, que "dispõe sobre o procedimento
administrativo de demarcação das terras indígenas e dá outras
providências", faculta aos interessados contestar os resultados do
Relatório de Identificação e Delimitação de Terras Indígenas, cabendo ao
próprio Ministro de Estado da Justiça decidir sobre a regularidade do
procedimento.
O Supremo Tribunal Federal
reconheceu a constitucionalidade do procedimento administrativo de demarcação
de terras indígenas, previsto no Decreto 1.775/96.
A demarcação de terras
indígenas processada e conduzida exclusivamente na instância administrativa,
sem necessidade de apreciação judicial, é prática reiterada na Administração
Pública Federal, sobretudo após a promulgação da CF/88.
Não é necessária intervenção judicial
para o registro da terra indígena no cartório imobiliário. Os arts. 5º e 6º do
Decreto 1.775/96 são expressos quando afirmam que, após o decreto presidencial
de homologação do procedimento demarcatório, promoverá a FUNAI o registro da
área no assentamento cartorário respectivo.
Os atos administrativos são
passíveis de revisão judicial segundo o princípio da inafastabilidade. Isso não
implica, todavia, que o Poder Judiciário tenha que intervir, sempre e
necessariamente, como condição de validade de todo e qualquer ato
administrativo.
O procedimento demarcatório de terras
indígenas ampara-se em norma legal minudente, que especifica o iter
procedimental a ser trilhado pela Administração Pública. Nada impede que o
administrado, todavia, questione judicialmente o procedimento, em qualquer de
seus aspectos formais ou materiais, mas caberá a ele infirmar a presunção de
legalidade, legitimidade e auto-executoriedade que milita em favor dos atos
administrativos, sobretudo quando a pretensão judicial for veiculada por meio
de mandado de segurança, que não admite dilação probatória.
Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização
social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre
as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger
e fazer respeitar todos os seus bens.
§ 1º - São terras tradicionalmente ocupadas pelos
índios as por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas
atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais
necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e
cultural, segundo seus usos, costumes e tradições.
§ 2º - As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios
destinam-se a sua posse permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das
riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes.
§ 3º - O aproveitamento dos recursos hídricos,
incluídos os potenciais energéticos, a pesquisa e a lavra das riquezas minerais
em terras indígenas só podem ser efetivados com autorização do Congresso
Nacional, ouvidas as comunidades afetadas, ficando-lhes assegurada participação
nos resultados da lavra, na forma da lei.
§ 4º - As terras de que trata este artigo são
inalienáveis e indisponíveis, e os direitos sobre elas, imprescritíveis.
§ 5º - É vedada a remoção dos grupos indígenas de suas
terras, salvo, "ad referendum" do Congresso Nacional, em caso de
catástrofe ou epidemia que ponha em risco sua população, ou no interesse da
soberania do País, após deliberação do Congresso Nacional, garantido, em
qualquer hipótese, o retorno imediato logo que cesse o risco.
§ 6º - São nulos e extintos, não produzindo efeitos
jurídicos, os atos que tenham por objeto a ocupação, o domínio e a posse das
terras a que se refere este artigo, ou a exploração das riquezas naturais do
solo, dos rios e dos lagos nelas existentes, ressalvado relevante interesse
público da União, segundo o que dispuser lei complementar, não gerando a
nulidade e a extinção direito a indenização ou a ações contra a União, salvo, na
forma da lei, quanto às benfeitorias derivadas da ocupação de boa fé.
Fonte: STJ
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