Ementa:
PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA EM FAVOR DE PESSOA
FÍSICA. LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO. TRATAMENTO MÉDICO FORA DO
DOMICÍLIO. GARANTIA CONSTITUCIONAL À SAÚDE. DIREITO INDIVIDUAL INDISPONÍVEL.
1. Hipótese em que o Estado de Minas Gerais impugna a
legitimidade do Ministério Público para propor Ação Civil Pública em favor de
indivíduo determinado, postulando a disponibilização de tratamento médico fora
do domicílio.
2. O direito à saúde, insculpido na Constituição Federal,
tem natureza indisponível, em função do bem comum maior a proteger, derivado da
própria força impositiva dos preceitos de ordem pública que regulam a matéria.
Não se trata de legitimidade do Ministério Público em razão da hipossuficiência
econômica – matéria própria da Defensoria Pública –, mas da qualidade de
indisponibilidade jurídica do direito-base (saúde). 3. Ainda que a ação concreta do
Parquet dirija-se à tutela da saúde de um
único sujeito, a
abstrata inspiração ético-jurídica para seu agir não é o indivíduo, mas a coletividade.
No fundo, o que está em jogo é um interesse público primário, dorsal no sistema
do Estado Social, como porta-voz que é do sonho realizável de uma sociedade
solidária, sob a bandeira do respeito absoluto à dignidade da pessoa humana.
4. Recurso Especial não provido.
Outro importante precedente:
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. FORNECIMENTO
DE MEDICAMENTOS. MINISTÉRIO PÚBLICO. LEGITIMIDADE ATIVA. DEFESA DE DIREITOS
SOCIAIS E INDIVIDUAIS INDISPONÍVEIS. PRECEDENTES. 1. A Constituição
do Brasil, em seu artigo 127, confere expressamente ao Ministério Público
poderes para agir em defesa de interesses sociais e individuais indisponíveis,
como no caso de garantir o fornecimento de medicamentos a hipossuficiente. 2.
Não há que se falar em usurpação de competência da defensoria pública ou da
advocacia privada. Agravo regimental a que se nega provimento” (RE
554.088-AgR, Rel. Min. Eros Grau, Segunda Turma, DJE 20.6.2008)
Trechos
do Acórdão:
De
acordo com o disposto na Constituição Federal (art. 129, III) e na Lei Orgânica
do Ministério Público (art. 25, IV, "a", da Lei n. 8.625/1993),
possui o parquet, como função institucional, a defesa dos interesses difusos,
coletivos e individuais indisponíveis e homogêneos.
Faltando um desses requisitos, o Ministério Público não possui legitimidade
para funcionar como substituto processual em ações civis públicas.
CR/88: Art.129. São funções institucionais do Ministério
Público: III - promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a
proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros
interesses difusos e coletivos.
Lei 8.625/93: Art. 25. Além das funções previstas nas
Constituições Federal e Estadual, na Lei Orgânica e em outras leis, incumbe,
ainda, ao Ministério Público: IV - promover o inquérito civil e a ação civil
pública, na forma da lei: a) para a proteção, prevenção e reparação dos danos
causados ao meio ambiente, ao consumidor, aos bens e direitos de valor
artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, e a outros interesses
difusos, coletivos e individuais indisponíveis e homogêneos.
Alegou-se
que o MP, ao estar defendo direito individual indisponível de uma única pessoa,
estava atuando como
representante judicial, e não como substituto processual, como seria seu
mister nas ações civis públicas e que tal papel, considerando a defesa de
direito de pessoa hipossuficiente, competia à Defensoria Pública.
Essa tese foi
rechaçada pelos seguintes argumentos:
1-
O
direito à saúde, insculpido na Constituição Federal, é indisponível, em função
do bem comum maior a proteger, derivado da própria força impositiva dos
preceitos de ordem pública que regulam a matéria.
2-
O
Estado, ao se negar a proteger o menor pobre nas circunstâncias dos autos,
omitindo-se em garantir o direito fundamental à saúde, humilha a cidadania,
descumpre o seu dever constitucional e ostenta prática violenta de atentado à
dignidade humana e à vida. É totalitário e insensível.
3-
Ainda
que a ação concreta do Parquet dirija-se à tutela da saúde de um único sujeito
, a abstrata inspiração ético-jurídica para seu agir não é o indivíduo, mas a
coletividade. No fundo, o que está em jogo é um interesse público primário,
dorsal no sistema do Estado Social, como porta-voz que é do sonho realizável de
uma sociedade solidária, sob a bandeira do respeito absoluto à dignidade da
pessoa humana.
4-
A determinação judicial do dever de prestação positiva do
direito à saúde pelo Estado, não encerra suposta ingerência do judiciário na
esfera da administração. Deveras, não há discricionariedade do administrador
frente aos direitos consagrados, quiçá constitucionalmente. Nesse campo a
atividade é vinculada sem admissão de qualquer exegese que vise afastar a
garantia pétrea.
5-
Ressoa
evidente que toda imposição jurisdicional à Fazenda Pública implica em
dispêndio e atuar, sem que isso infrinja a harmonia dos poderes, porquanto no regime democrático e no estado de direito o
Estado soberano submete-se à própria justiça que instituiu.
Afastada, assim, a ingerência entre os poderes, o judiciário, alegado o
malferimento da lei, nada mais fez do que cumpri-la ao determinar a realização
prática da promessa constitucional. (REsp 577836, Rel. Min. Luiz Fux, DJ
28.2.2005).
6- Ainda que no artigo 129, III, a Lei Magna delimite o
âmbito da ação civil pública que deve servir “para a proteção do patrimônio
público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos”,
faz-se necessária a conciliação de tal regra com os demais artigos acima
mencionados, para conferir a
legitimidade extraordinária ao Ministério Público para garantir os direitos
individuais indisponíveis. Tal conciliação se revela possível quando
observamos a redação do artigo 6º da Lei Complementar nº 75/93 que faz
referência à possibilidade de utilização da via ação civil publica com o
objetivo de defesa de direitos individuais indisponíveis. Trago à baila o
referido artigo de lei: "Art. 6º Compete ao Ministério Público da União:
(...) VII - promover o inquérito civil e a ação civil pública para: (...) d)
outros interesses individuais indisponíveis, homogêneos, sociais, difusos e
coletivos'". Em suma, a legitimidade do Ministério Público encontra
respaldo tanto na legislação constitucional quanto infraconstitucional.
7-
Tem
natureza de interesse indisponível a tutela jurisdicional do direito à vida e à
saúde de que tratam os arts. 5º, caput e 196 da Constituição, em favor de menor
carente que necessita de medicamento. A legitimidade ativa, portanto, se
afirma, não por se tratar de tutela de direitos individuais homogêneos, mas sim
por se tratar de interesses individuais indisponíveis.
Fonte: STJ
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