quinta-feira, 18 de abril de 2013

STJ – Post Especial – Legitimidade do MP – ACP em favor de único indivíduo quando em voga direito indisponível a saúde. – RE 830.904 MG - RELATOR: MINISTRO JOÃO OTÁVIO DE NORONHA R.P/ACÓRDÃO: MINISTRO HERMAN BENJAMIN – 2ª Turma do STJ - 18.12.2008.


Ementa:
PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA EM FAVOR DE PESSOA FÍSICA. LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO. TRATAMENTO MÉDICO FORA DO DOMICÍLIO. GARANTIA CONSTITUCIONAL À SAÚDE. DIREITO INDIVIDUAL INDISPONÍVEL.
1. Hipótese em que o Estado de Minas Gerais impugna a legitimidade do Ministério Público para propor Ação Civil Pública em favor de indivíduo determinado, postulando a disponibilização de tratamento médico fora do domicílio.
2. O direito à saúde, insculpido na Constituição Federal, tem natureza indisponível, em função do bem comum maior a proteger, derivado da própria força impositiva dos preceitos de ordem pública que regulam a matéria. Não se trata de legitimidade do Ministério Público em razão da hipossuficiência econômica – matéria própria da Defensoria Pública –, mas da qualidade de indisponibilidade jurídica do direito-base (saúde). 3. Ainda que a ação concreta do Parquet dirija-se à tutela da saúde de um
único sujeito, a abstrata inspiração ético-jurídica para seu agir não é o indivíduo, mas a coletividade. No fundo, o que está em jogo é um interesse público primário, dorsal no sistema do Estado Social, como porta-voz que é do sonho realizável de uma sociedade solidária, sob a bandeira do respeito absoluto à dignidade da pessoa humana.
4. Recurso Especial não provido.

Outro importante precedente:

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS. MINISTÉRIO PÚBLICO. LEGITIMIDADE ATIVA. DEFESA DE DIREITOS SOCIAIS E INDIVIDUAIS INDISPONÍVEIS. PRECEDENTES. 1. A Constituição do Brasil, em seu artigo 127, confere expressamente ao Ministério Público poderes para agir em defesa de interesses sociais e individuais indisponíveis, como no caso de garantir o fornecimento de medicamentos a hipossuficiente. 2. Não há que se falar em usurpação de competência da defensoria pública ou da advocacia privada. Agravo regimental a que se nega provimento” (RE 554.088-AgR, Rel. Min. Eros Grau, Segunda Turma, DJE 20.6.2008)

Trechos do Acórdão:

De acordo com o disposto na Constituição Federal (art. 129, III) e na Lei Orgânica do Ministério Público (art. 25, IV, "a", da Lei n. 8.625/1993), possui o parquet, como função institucional, a defesa dos interesses difusos, coletivos e individuais indisponíveis e homogêneos. Faltando um desses requisitos, o Ministério Público não possui legitimidade para funcionar como substituto processual em ações civis públicas.

CR/88: Art.129. São funções institucionais do Ministério Público: III - promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos.
Lei 8.625/93: Art. 25. Além das funções previstas nas Constituições Federal e Estadual, na Lei Orgânica e em outras leis, incumbe, ainda, ao Ministério Público: IV - promover o inquérito civil e a ação civil pública, na forma da lei: a) para a proteção, prevenção e reparação dos danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, aos bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, e a outros interesses difusos, coletivos e individuais indisponíveis e homogêneos.

Alegou-se que o MP, ao estar defendo direito individual indisponível de uma única pessoa, estava atuando como representante judicial, e não como substituto processual, como seria seu mister nas ações civis públicas e que tal papel, considerando a defesa de direito de pessoa hipossuficiente, competia à Defensoria Pública.

Essa tese foi rechaçada pelos seguintes argumentos:

1-   O direito à saúde, insculpido na Constituição Federal, é indisponível, em função do bem comum maior a proteger, derivado da própria força impositiva dos preceitos de ordem pública que regulam a matéria.
2-   O Estado, ao se negar a proteger o menor pobre nas circunstâncias dos autos, omitindo-se em garantir o direito fundamental à saúde, humilha a cidadania, descumpre o seu dever constitucional e ostenta prática violenta de atentado à dignidade humana e à vida. É totalitário e insensível.
3-   Ainda que a ação concreta do Parquet dirija-se à tutela da saúde de um único sujeito , a abstrata inspiração ético-jurídica para seu agir não é o indivíduo, mas a coletividade. No fundo, o que está em jogo é um interesse público primário, dorsal no sistema do Estado Social, como porta-voz que é do sonho realizável de uma sociedade solidária, sob a bandeira do respeito absoluto à dignidade da pessoa humana.
4-   A determinação judicial do dever de prestação positiva do direito à saúde pelo Estado, não encerra suposta ingerência do judiciário na esfera da administração. Deveras, não há discricionariedade do administrador frente aos direitos consagrados, quiçá constitucionalmente. Nesse campo a atividade é vinculada sem admissão de qualquer exegese que vise afastar a garantia pétrea.
5-   Ressoa evidente que toda imposição jurisdicional à Fazenda Pública implica em dispêndio e atuar, sem que isso infrinja a harmonia dos poderes, porquanto no regime democrático e no estado de direito o Estado soberano submete-se à própria justiça que instituiu. Afastada, assim, a ingerência entre os poderes, o judiciário, alegado o malferimento da lei, nada mais fez do que cumpri-la ao determinar a realização prática da promessa constitucional. (REsp 577836, Rel. Min. Luiz Fux, DJ 28.2.2005).
6-   Ainda que no artigo 129, III, a Lei Magna delimite o âmbito da ação civil pública que deve servir “para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos”, faz-se necessária a conciliação de tal regra com os demais artigos acima mencionados, para conferir a legitimidade extraordinária ao Ministério Público para garantir os direitos individuais indisponíveis. Tal conciliação se revela possível quando observamos a redação do artigo 6º da Lei Complementar nº 75/93 que faz referência à possibilidade de utilização da via ação civil publica com o objetivo de defesa de direitos individuais indisponíveis. Trago à baila o referido artigo de lei: "Art. 6º Compete ao Ministério Público da União: (...) VII - promover o inquérito civil e a ação civil pública para: (...) d) outros interesses individuais indisponíveis, homogêneos, sociais, difusos e coletivos'". Em suma, a legitimidade do Ministério Público encontra respaldo tanto na legislação constitucional quanto infraconstitucional.
7-   Tem natureza de interesse indisponível a tutela jurisdicional do direito à vida e à saúde de que tratam os arts. 5º, caput e 196 da Constituição, em favor de menor carente que necessita de medicamento. A legitimidade ativa, portanto, se afirma, não por se tratar de tutela de direitos individuais homogêneos, mas sim por se tratar de interesses individuais indisponíveis.

Fonte: STJ

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