Trata-se de uma ação penal que tramitou no STF em que um Deputado
Federal foi condenado pelos crimes de peculato e formação de quadrilha. No
caso, havia outros réus, que não detinham foro por prerrogativa de função, de
forma que o processo foi desmembrado, ficando o Deputado Federal respondendo
pelos seus crimes perante o STF.
Sabe-se que o foro por prerrogativa de função justifica-se em vista da
proteção da função exercida, não se configurando privilégio pessoal, de modo
que, uma vez encerrada a função, findo também estará o foro por prerrogativa de
função e, por via de consequência, o processo será remetido ao juízo natural
competente para os que não detenham semelhante prerrogativa. A pergunta
respondida pelo STF neste julgado é a seguinte: "Até quando o
parlamentar pode apresentar um pedido de renúncia do seu mandato sem que este
direito não implique uma manipulação de instância, uma fraude à lei?
Pois bem, neste caso, o Deputado Federal apresentou pedido de renúncia
do mandato, na véspera do seu julgamento perante o STF e, em embargos de
declaração, sustentou que o STF não seria mais o juízo competente para a ação
penal e por isso o julgamento padeceria de nulidade absoluta.
O STF decidiu, em consonância com Ministra Relatora Carmen Lúcia, que a
pretensão do réu configuraria uma manipulação de instância: "A renúncia de mandato é um ato legítimo. Não se
presta, porém, a ser utilizada como subterfúgio para deslocamento de
competências definidas, que não podem ser objeto de escolha pessoal.
Impossibilidade de ser aproveitada como expediente processual para impedir o
julgamento em tempo à absolvição ou à condenação e, neste caso, à definição de
penas".
O mais absurdo da pretensão do parlamentar é que a renúncia
formulada pelo réu, na véspera do início da apreciação da ação penal, foi
requerida após 14 anos de tramitação do processo,
não podendo ser válida para os fins de obstar a competência constitucionalmente
conferida ao STF.
Interessante notar que, neste ponto, a defesa do parlamentar sustentou
que "a difícil decisão de renunciar, embora ocorrida depois de pautado o
presente feito, não teve a finalidade de abuso de direito (...). No caso
concreto do requerente, a prerrogativa de foro não se justifica, mas, ao
inverso, significa supressão ao seu direito de ampla defesa e esgotamento dos
recursos cabíveis para os cidadão comuns. Não é razoável que o requerente seja
julgado em Instância única pelo Supremo Tribunal Federal, quando se sabe que
dificilmente ocupará novo mandato e que em menos de três meses voltará à
condição de cidadão comum. Portanto, na hipótese em apreço, a prerrogativa
deixou de ser privilégio, configurando para o requerente supressão de todas as
instâncias, com prejuízo da ampla defesa".
Uma peculiaridade do caso é o STF proferiu o julgamento do réu em
28.10.2010 e, em 04.11.2010, a punibilidade do réu estaria extinta
em relação ao crime de quadrilha, pela prescrição da pretensão punitiva
pela pena máxima cominada em abstrato de modo que o pedido de
renúncia do réu foi aquilado uma tentativa de fraude à lei, um abuso de direito
e teve como finalidade eximir-se de sua responsabilidade penal, pela qual foi
condenado a mais de 13 anos de reclusão. Nas palavras da Ministra Carmen Lúcia: "O direito, em sua realização normal e legítima,
é uso, em sua realização anormal e ilegítima, abuso".
Neste ponto, votaram com a relatora Ministra Carmen Lúcia os Ministros
Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski, Ayres Brito, Gilmar Mendes, Ellen Gracie,
Cezar Peluso. Vencido: Ministro Marco Aurélio.
Ainda no julgamento dos embargos de declaração, o STF também decidiu as
seguintes questões:
1- "É firme a jurisprudência do STF de que o
Ministério Público pode oferecer denúncia com base em elementos de informação
obtidos em inquérito civis,instaurados para a apuração de ilícitos civis e
administrativos, no curso dos quais se vislumbre prática de ilícitos
penais"
2- A pluralidade dos réus e a necessidade de tramitação mais célere do
processo justificam o desmembramento do processo.
3- A jurisprudência do STF é firme no sentido de que há a
possibilidade de separação dos processos quando conveniente à instrução penal,
também em relação aos crimes de quadrilha ou bando.
4- A delação, de forma isolada, não respalda decreto condenatório.
5 - O artigo 288 do CP prevê como crime a associação de mais de
três pessoas, em quadrilha ou bando, para o fim de cometer crimes. Quanto ao
elemento normativo do tipo, consistente na finalidade de cometer crimes, a
prática de crimes em caráter continuado é suficiente para sua configuração.
6- Para efeito de interrupção do prazo prescricional (art. 117, IV, do
Código Penal), a data legal é a da sessão plenária de julgamento desta ação
penal (28.10.2010), quando se tornou pública a prestação jurisdicional penal
condenatória. Citou-se a doutrina de NUCCI, digna de registro: "Outro
ponto que foi resolvido é a data exata da interrupção, ao menos da sentença
condenatória. Dá-se no dia em que foi publicada, vale dizer, entregue em mãos
ao escrivão, em cartório, conforme dispõe o art. 389 do CPP. No tocante ao
acórdão, ...a tendência deve permanecer a mesma, anterior, à Lei 11.596/2007,
vale dizer, reputa-se publicado na data da sessão de julgamento pela Câmara ou
Turma - afinal, cuida-se de evento público. As partes podem, inclusive,
acompanhar o julgamento. Não há a menor necessidade de se aguardar a
redação do acórdão e sua publicação em diário oficial (eletrônico ou não). Esta
última situação continua a prevalecer para a contagem de prazo de
recurso, mas não para interromper a prescrição" (NUCCI, GUILHERME DE
SOUZA. Código Penal Comentado. Revista, atualizada e ampliada. São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, 2010, p. 583).
7- Se em relação ao crime de quadrilha, os autores que responderam na
instância inferior, foram absolvidos pela prescrição dos seus crimes, essa
decisão não vincula a jurisdição do STF em relação ao mesmo crime pelo qual
responde o Deputado Federal perante o STF. Em resumo: " O reconhecimento
da pretendida causa de extinção de punibilidade em relação aos corréus,
processados por tribunal de justiça, não vincularia a dosimetria do Supremo e
das demais instâncias".
8- O codenunciado, que esta respondendo em instância inferior, pode ser
ouvido pelo STF na condição de testemunha no processo do parlamentar federal:
"O Pleno repeliu, outrossim, arguição de cerceamento de defesa ante a não
formulação de perguntas a codenunciado. Enfatizou-se que este não teria ocupado
o polo passivo da ação, motivo pelo qual inexistiria obstáculo a que fosse
ouvido como testemunha durante a instrução processual, medida não requerida
pela defesa do embargante, apesar de intimada para o requerimento de eventuais
diligências (Lei 8.038/90, art. 10)".
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