Neste julgado, o STF, por maioria de votos, declarou, incidenter tantum, a inconstitucionalidade da expressão “e liberdade provisória” do caput do art. 44 da Lei 11.343/2006. Este dispositivo dispõe que: "Os crimes previstos nos arts. 33, caput e §
1o, e 34 a 37 desta Lei são inafiançáveis e insuscetíveis de sursis, graça,
indulto, anistia e liberdade provisória, vedada a conversão de suas penas em
restritivas de direitos".
Entendeu o STF que a lei jamais pode criar uma espécie de "prisão-padrão" de modo que a liberdade provisória só poderia ser vedada se presente alguns dos requisitos da prisão preventiva e que a inafiançabilidade contemplada na CR/88 não deve por si só constituir causa impeditiva da liberdade provisória, sob pena de violação dos princípios da dignidade da pessoa humana, ampla defesa e devido processo legal, princípio da proporcionalidade em sentido substantivo (princípio da proibição do excesso) e também do princípio da presunção de inocência.
Antes, prevalecia o entendimento de que a liberdade provisória era vedada em virtude desta previsão legal e também decorria da inafiançabilidade prescrita no artigo 5o, inciso XLIII, da CR/88, in verbis: "XLIII - a lei considerará
crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura ,
o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos
como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os
que, podendo evitá-los, se omitirem".
O STF entendeu, porém, que a decisão judicial de veda a concessão de liberdade provisória com a mera indicação do artigo 44 da da Lei 11.343/2006 e do artigo 5o, inciso XLIII, da CR/88 deve ser tida como nula por ausência de fundamentação.
Nas palavras do Ministro Gilmar Mendes: " Tenho para mim que essa vedação apriorística de concessão de liberdade provisória (Lei n. 11.343/2006, art. 44) é incompatível com o princípio constitucional da presunção de inocência, do devido processo legal, entre outros. É que a Lei de Drogas, ao afastar a concessão da liberdade provisória de forma apriorística e genérica, retira do juiz competente a oportunidade de, no caso concreto, analisar os pressupostos da necessidade do cárcere cautelar, em inequívoca antecipação de pena, indo de encontro a diversos dispositivos constitucionais". "A previsão constitucional de que o crime de tráfico de entorpecentes é inafiançável (art. 5º, XLIII) não traduz dizer que seja insuscetível de liberdade provisória, pois conflitaria com o inciso LXVI do mesmo dispositivo, que estabelece que ninguém será levado à prisão ou nela mantido quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança".
Conclusões:
1) A simples inafiançabilidade não impede a concessão de liberdade provisória. Daí admitir-se a concessão de liberdade provisória nos crimes de racismo, tortura e os definidos no Estatuto do Desarmamento (arts. 14 e 15), nos termos do art. 310, parágrafo
único, do CPP.
2) O artigo 44 da da Lei 11.343/2006 cria um tipo de regime de prisão preventiva obrigatória, na medida em que torna a prisão uma regra, e liberdade, a exceção. A necessidade da prisão decorrerá diretamente da imposição legal, retirando-se do juiz o poder de, em face das circunstâncias específicas do caso, avaliar a presença dos requisitos do art. 312 do Código de Processo Penal: necessidade de garantir a ordem pública, a ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou assegurar a aplicação da lei penal, havendo prova da existência do crime e indício suficiente de autoria
3)O princípio da proporcionalidade, também denominado princípio do devido processo legal em sentido substantivo, ou ainda, princípio da proibição do excesso, constitui uma exigência positiva e material relacionada ao conteúdo de atos restritivos de direitos fundamentais, de modo a estabelecer um "limite do limite" ou uma "proibição de excesso" na restrição de tais direitos.
Votaram com o Ministro Relator Gilmar Mendes: Ministros Rosa Weber, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski, Joaquim Barbosa, Cezar Peluso, Ayres Brito.
Trechos de destaque do voto da Ministra Rosa Weber: "Não se pretendeu ignorar o caráter extremamente danoso do tráfico de drogas na sociedade moderna, a reclamar ipso facto tratamento jurídico mais rigoroso, mas apenas permitir a concessão do benefício quando circunstancialmente viável, diferenciando o pequeno traficante do grande traficante".
Trechos de destaque do voto da Ministro Dias Toffoli: "A inafiançabilidade não pode constituir causa impeditiva da liberdade provisória, se considerados os princípios da presunção de inocência, da dignidade da pessoa humana, da ampla defesa e do devido processo legal". (...) "A Constituição não vedou a liberdade provisória no inciso XLIII, ela vedou a fiança. Se quisesse a Constituição vedar (a liberdade provisória), teria ditado esse mandamento." (...) "Se, na Constituição Federal, se quisesse facultar à Lei a proibição da liberdade provisória consoante o tipo criminal, tal restrição teria sido incluída no tópico da vedação feita no inciso XLIII do art. 5º [da Constituição]. Assim não estaria o legislador autorizado a vedar a liberdade provisória em razão da gravidade do delito". (...) "Esta nossa Corte entende que a simples alusão à gravidade do delito ou a expressões de mero apelo retórico não valida a ordem de prisão cautelar. Isso porque o juízo de que determinada pessoa encarna verdadeiro risco à coletividade só é de ser feito com base no quadro fático da causa e, nele, fundamentado o respectivo decreto de prisão cautelar. Sem o que não se demonstra o necessário vínculo operacional entre a necessidade do confinamento cautelar do acusado e o efetivo acautelamento do meio social". (...) "A liberdade provisória deverá ser analisada independentemente da natureza da infração, em razão, isso sim, das condições pessoas do agente, por se tratar de direito subjetivo garantido constitucionalmente ao indivíduo".
Trechos de destaque do voto do Ministro Ricardo Lewandowski: "Nossa Constituição não admite a prisão ex lege, ou seja, a prisão diretamente determinada pelo Poder Legislativo, sem consideração do caso concreto, das circunstâncias pessoais que envolvem determinada situação".
Trechos de destaque do voto do Ministro Cezar Peluso: " O instituto da fiança – vedada na hipótese de crimes hediondos ou equiparados - e o da liberdade provisória não se confundem, nem são em absoluto coextensivos" (...) "Inafiançabilidade não significa impossibilidade absoluta de liberdade provisória, mas tão só impossibilidade de obtenção desta por mera prestação de fiança!".
Voto vencido: Ministros Luiz Fux.
Trechos de destaque do voto do Ministro Luiz Fux: "Pelo princípio da unidade da Constituição, entendo que foi um opção do legislador constituinte dar um basta no tráfico de drogas através dessa estratégia de impedir inclusive a fiança e a liberdade provisória. Isso foi uma opção do legislador constitucional. Nós estamos declarando a Constituição inconstitucional, esse é o grande paradoxo dessa conclusão".
Obs: Ministra Cármen Lúcia não votou em virtude de ausência justificada.
Fonte: STF
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