domingo, 6 de janeiro de 2013

SERIE JULGADOS IMPORTANTES STF HC 104.339 - 10.05.2012 - Relator Ministro Gilmar Mendes




Neste julgado, o STF, por maioria de votos, declarou, incidenter tantum, a inconstitucionalidade da expressão “e liberdade provisória” do caput do art.  44 da Lei 11.343/2006.  Este dispositivo dispõe que:  "Os crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1o, e 34 a 37 desta Lei são inafiançáveis e insuscetíveis de sursis, graça, indulto, anistia e liberdade provisória, vedada a conversão de suas penas em restritivas de direitos". 

Entendeu o STF que a lei jamais pode criar uma espécie de "prisão-padrão" de modo que a liberdade provisória só poderia ser vedada se presente alguns dos requisitos da prisão preventiva e que a inafiançabilidade contemplada na CR/88 não deve por si só constituir  causa  impeditiva  da  liberdade provisória, sob pena de violação dos princípios da dignidade da pessoa humana, ampla defesa e devido processo legal, princípio da proporcionalidade em sentido substantivo (princípio da proibição do excesso) e também do princípio da presunção de inocência.

Antes, prevalecia o entendimento de que a liberdade provisória era vedada em virtude desta previsão legal e também decorria da inafiançabilidade prescrita no artigo 5o, inciso XLIII, da CR/88, in verbis: "XLIII - a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura , o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem".

O STF entendeu, porém, que a decisão judicial de veda a concessão de liberdade provisória com a mera indicação do artigo 44 da da Lei 11.343/2006 e do artigo 5o, inciso XLIII, da CR/88 deve ser tida como nula por ausência de fundamentação.

Nas palavras do Ministro Gilmar Mendes: " Tenho  para  mim  que  essa  vedação  apriorística  de  concessão  de liberdade provisória (Lei n. 11.343/2006, art. 44) é incompatível com o princípio constitucional da presunção de inocência, do devido processo legal, entre outros. É que a Lei de Drogas, ao afastar a concessão da liberdade  provisória  de  forma  apriorística  e  genérica,  retira  do  juiz competente a oportunidade de, no caso concreto, analisar os pressupostos da necessidade do cárcere cautelar, em inequívoca antecipação de pena, indo de encontro a diversos dispositivos constitucionais". "A previsão constitucional de que o crime de tráfico de entorpecentes é inafiançável (art. 5º, XLIII) não traduz dizer que seja insuscetível de liberdade  provisória,  pois  conflitaria  com  o  inciso  LXVI  do  mesmo dispositivo, que estabelece que ninguém será levado à prisão ou nela mantido quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança".

Conclusões:

1) A  simples inafiançabilidade  não  impede  a  concessão  de  liberdade provisória. Daí  admitir-se  a  concessão  de  liberdade  provisória  nos crimes  de  racismo,  tortura  e  os  definidos  no  Estatuto  do Desarmamento (arts. 14 e 15), nos termos do art. 310, parágrafo
único, do CPP.

2) O artigo 44 da da Lei 11.343/2006 cria um tipo de regime de prisão preventiva obrigatória, na medida em que torna a prisão uma regra, e liberdade, a exceção. A  necessidade  da  prisão decorrerá diretamente da imposição legal, retirando-se do juiz o poder de, em face das circunstâncias específicas do caso, avaliar a presença dos requisitos do art. 312 do Código de Processo Penal:  necessidade  de  garantir  a  ordem  pública,  a  ordem econômica,  por  conveniência  da  instrução  criminal,  ou assegurar a aplicação da lei penal, havendo prova da existência do crime e indício suficiente de autoria

3)O princípio da proporcionalidade, também denominado princípio do devido processo legal em sentido substantivo, ou ainda, princípio da proibição  do  excesso,  constitui  uma  exigência  positiva  e  material relacionada ao conteúdo de atos restritivos de direitos fundamentais, de modo a estabelecer um "limite do limite" ou uma "proibição de excesso" na  restrição  de  tais  direitos.

Votaram com o Ministro Relator Gilmar Mendes: Ministros Rosa Weber, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski, Joaquim Barbosa, Cezar Peluso, Ayres Brito.

Trechos de destaque do voto da Ministra Rosa Weber: "Não  se  pretendeu  ignorar  o  caráter extremamente  danoso  do  tráfico  de  drogas  na  sociedade  moderna,  a reclamar ipso facto tratamento jurídico mais rigoroso, mas apenas permitir a  concessão  do  benefício  quando  circunstancialmente  viável, diferenciando o pequeno traficante do grande traficante".

Trechos de destaque do voto da Ministro Dias Toffoli: "A  inafiançabilidade  não  pode  constituir  causa impeditiva  da  liberdade  provisória,  se  considerados  os princípios da presunção de inocência, da dignidade da pessoa humana,  da  ampla  defesa  e  do  devido  processo  legal".  (...) "A Constituição não vedou a liberdade provisória no inciso XLIII, ela vedou a fiança. Se quisesse a Constituição vedar (a liberdade provisória), teria ditado esse mandamento." (...) "Se,  na  Constituição  Federal,  se  quisesse  facultar  à  Lei  a proibição da liberdade provisória consoante o tipo criminal, tal restrição teria sido incluída no tópico da vedação feita no inciso XLIII do art. 5º [da Constituição]. Assim  não  estaria  o  legislador  autorizado  a  vedar  a liberdade provisória em razão da gravidade do delito". (...) "Esta nossa Corte entende que a simples alusão à gravidade do delito ou a expressões de mero apelo retórico não valida a ordem de prisão cautelar. Isso porque o juízo de que determinada pessoa encarna verdadeiro risco à coletividade só é  de  ser  feito  com  base  no  quadro  fático  da  causa  e,  nele, fundamentado o respectivo decreto de prisão cautelar. Sem o que não se demonstra o necessário vínculo operacional entre a necessidade do confinamento cautelar do acusado e o efetivo acautelamento do meio social". (...) "A liberdade provisória deverá  ser  analisada  independentemente  da  natureza  da infração, em razão, isso sim, das condições pessoas do agente, por se tratar de direito subjetivo garantido constitucionalmente ao indivíduo".

Trechos de destaque do voto do Ministro Ricardo Lewandowski: "Nossa Constituição não admite a prisão  ex  lege,  ou  seja,  a  prisão  diretamente  determinada  pelo  Poder Legislativo,  sem  consideração  do  caso  concreto,  das  circunstâncias pessoais  que  envolvem  determinada  situação".

Trechos de destaque do voto do Ministro Cezar Peluso: " O instituto da fiança – vedada  na  hipótese  de  crimes  hediondos  ou  equiparados  -  e  o  da liberdade  provisória  não  se  confundem,  nem  são  em  absoluto coextensivos" (...) "Inafiançabilidade  não  significa impossibilidade  absoluta  de  liberdade  provisória,  mas  tão  só impossibilidade de obtenção desta por mera prestação de fiança!". 

Voto vencido: Ministros Luiz Fux.

Trechos de destaque do voto do Ministro Luiz Fux: "Pelo princípio da unidade da Constituição, entendo que foi um opção do legislador constituinte dar um basta no tráfico de drogas através dessa estratégia de impedir inclusive a fiança e a liberdade provisória. Isso foi uma opção do legislador constitucional. Nós estamos declarando  a  Constituição  inconstitucional,  esse  é  o  grande  paradoxo dessa conclusão". 

Obs: Ministra Cármen Lúcia não votou em virtude de ausência justificada.

Fonte: STF


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