sexta-feira, 8 de março de 2013

STJ - Carência para receber devolução por cancelamento de título de capitalização é ilegal - REsp 1354963 – Min. HERMAN BENJAMIN - PRIMEIRA SEÇÃO Min. NANCY ANDRIGUI - TERCEIRA TURMA - 27.02.2013.


É ilegal a cláusula que estipula prazo de carência de 12 meses para o recebimento dos valores de títulos de capitalização, quando há cancelamento por desistência antecipada ou inadimplência do consumidor no primeiro ano de vigência do contrato.

Veja-se a ementa do julgado:

DIREITO DO CONSUMIDOR. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. TÍTULOS DE CAPITALIZAÇÃO. RESGATE ANTECIPADO. CLÁUSULA INSTITUIDORA DE PRAZO DE CARÊNCIA. ABUSIVIDADE. OCORRÊNCIA. 1. Os títulos de capitalização não se confundem com investimentos ou contratos de consórcio. 2. O desenho legal dos títulos de capitalização tem em sua essência o desestímulo à desistência e o incentivo à pontualidade das aplicações, afastando-se qualquer fundamento teleológico para a instituição de prazo de carência para devolução da cota capitalizada ao consumidor. 3. A previsão de faculdade, em favor da sociedade de capitalização, para instituição do prazo de carência, prevista no 23, § 1º, da Circular SUSEP nº 365/08, ofende a finalidade da atuação estatal que, segundo o art. 2º do Decreto-Lei nº 261/67, deve ser exercido "no interesse dos portadores de títulos de capitalização". 4. Por contrariar as finalidades legalmente previstas, bem como por ofender os critérios de razoabilidade, a previsão contratual de prazo de carência para devolução de valores relativos à cota de capitalização é abusiva. 5. Negado provimento ao recurso especial. (Julgado em 19.02.2013).


A posição é oposta ao que foi decidido em 2011 pela Quarta Turma do STJ no julgamento do REsp 1.216.673. Juntas, as duas Turmas compõem a Segunda Seção, que analisa as questões de direito privado no Tribunal:

Ementa do REsp 1.216.673:

PROCESSUAL CIVIL E BANCÁRIO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. TÍTULOS DE CAPITALIZAÇÃO. CLÁUSULA INSTITUIDORA DE PRAZO DE CARÊNCIA PARA DEVOLUÇÃO DE VALORES APLICADOS. ABUSIVIDADE. NÃO OCORRÊNCIA. 1. A manifestação do Ministério Público após a sustentação oral realizada pela parte não importa em violação do art. 554 do CPC se sua presença no processo se dá na condição de fiscal da lei. 2. Não pode ser considerada abusiva cláusula contratual que apenas repercute norma legal em vigor, sem fugir aos parâmetros estabelecidos para sua incidência. 3. Nos contratos de capitalização, é válida a convenção que prevê, para o caso de resgate antecipado, o prazo de carência de até 24 (vinte e quatro) meses para a devolução do montante da provisão matemática. 4. Não pode o juiz, com base no CDC, determinar a anulação de cláusula contratual expressamente admitida pelo ordenamento jurídico pátrio se não houver evidência de que o consumidor tenha sido levado a erro quanto ao seu conteúdo. No caso concreto, não há nenhuma alegação de que a recorrente tenha omitido informações aos aplicadores ou agido de maneira a neles incutir falsas expectativas. 5. Deve ser utilizada a técnica do "diálogo das fontes" para harmonizar a aplicação concomitante de dois diplomas legais ao mesmo negócio jurídico; no caso, as normas específicas que regulam os títulos de capitalização e o CDC, que assegura aos investidores a transparência e as informações necessárias ao perfeito conhecimento do produto. 6. Recurso especial conhecido e provido. (REsp 1.216.673/SP, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, QUARTA TURMA, julgado em 02/06/2011, DJe 09/06/2011).

De acordo com a tese vencedora do REsp 1354963, os títulos de capitalização não são como os contratos de consórcio. Nos consórcios, como o fundo formado a partir da contribuição dos integrantes é de propriedade conjunta de todos, o interesse do grupo prevalece sobre o interesse individual do consorciado, de modo que o desistente de consórcio deverá aguardar o término do grupo para devolução de suas parcelas.

No caso dos títulos de capitalização, há a formação de um grupo que perdura, ainda que de forma flutuante. A cada dia há a adesão de novos participantes e a retirada de outros que já cumpriram o prazo contratado. O capital constituído a partir da cota de capitalização é individual e não tem relação com o dos demais participantes. Por isso, não se deve estender o entendimento jurisprudencial dos consórcios aos títulos de capitalização.

Trechos do voto da Ministra Nancy Andrigui, no REsp 1354963:

“Os títulos de capitalização são títulos de créditos comercializados por sociedades constituídas e autorizadas a funcionar especificamente para sua comercialização e administração. Garantem a formação de um capital mínimo predeterminado em cada plano e pago ao seu subscritor em moeda corrente e em prazo certo (art. 1º, parágrafo único, do DL nº 261/67). Apresentam-se no mercado com o objetivo de formação de uma aplicação, acrescido de caráter aleatório decorrente de distribuição periódica de prêmios em dinheiro por meio de sorteios”.

“Os títulos de capitalização não se confundem com poupança ou outro investimento financeiro. Essa distinção fica patente quando se observa a regulamentação e fiscalização – não submetida ao Banco Central do Brasil ou ao Conselho Monetário Nacional –, bem como sua operação restrita às pessoas jurídicas necessariamente constituídas para este fim – e não instituições financeiras. Não prometem, portanto, o pagamento de juros, mas a possibilidade de, mediante sorteio, se alcançar um acréscimo patrimonial significativo”.

“O público consumidor destes títulos de capitalização são pessoas mais simples ou mesmo classe média, que, atraídos pela possibilidade de ganho considerável e não pelo rendimento da aplicação, se lançam à sorte”.

“Ao lado dessa característica de contrato aleatório, observa-se a garantia de devolução, ao final do prazo de vigência do título, de parte do capital vertido, denominada de cota capitalizada, acrescida de correção monetária por índice contratualmente eleito. Esta parcela, por essência, não corresponde ao valor aplicado, que é divido em três cotas, nos termos do art. 28 da Circular SUSEP nº 365/08: i) cota capitalizada; ii) cota de sorteio (destinada a compor o prêmio prometido); e iii) cota de carregamento (cobertura dos custos e lucro da sociedade de capitalização)”.

“A par dessas considerações, convém enfatizar que não é da essência dos títulos de capitalização a imposição do prazo de carência para devolução dos valores aplicados. Essa conclusão é retirada da própria redação do art. 23, § 1º, da Circular SUSEP nº 365/08, em que a previsão do prazo de carência é facultada às sociedades de capitalização: “Para o caso de resgate antecipado, total ou parcial, do montante da provisão matemática, é facultada a fixação de um prazo de carência para efetivação do pagamento, não superior a 24 (vinte e quatro) meses, contados da data de início de vigência do Título de Capitalização. ”

“De outro lado, verifica-se na regulamentação do instituto pela SUSEP, a fixação de percentuais mínimos do total do pagamento que deverão ser aplicados na formação da cota de capitalização. Esses percentuais iniciam-se em 10% (dez por cento) e são paulatinamente aumentados, até alcançar o mínimo de 70% (setenta por cento) do total aplicado ao fim do contrato (art. 27, I e II, da Circular SUSEP nº 365/08)”.

“Desse modo, ao se desligar do título antes do fim da vigência contratada, independentemente de prazo de carência, o valor a ser devolvido é substancialmente inferior àquele que seria devido ao final do contrato. Embora essa não seja uma penalidade, mas decorrência da formatação essencial do contrato, há um pesado prejuízo financeiro de modo a desestimular a desistência voluntária do contrato. A legislação estabelece ainda a possibilidade de instituição de penalidade por meio da retenção de até 10% (dez por cento) sobre a cota capitalizada, na modalidade de compra programada (art. 1º, §1º, do anexo III da Circular SUSEP nº 365/08)”.

“De outro lado, os títulos de capitalização também não se confundem com o contrato de consórcio. O consórcio é modalidade de autofinanciamento mediante constituição de sociedade civil de caráter transitório. Caracteriza-se pela constituição de um fundo comum para realização de seu objetivo: adquirir bem ou serviço de mesma espécie para cada um dos integrantes do grupo, a partir de um sistema combinado de sorteios e lances. Assim, o fundo formado a partir das contribuições de todos os integrantes é de propriedade conjunta de todos e, ao final de seu prazo de duração, todos os participantes terão adquirido, por autofinanciamento, o bem pretendido. Nesse contexto, o art. 3º, § 2º, da Lei 11.795/08, dispõe que “o interesse do grupo de consórcio prevalece sobre o interesse individual do consorciado ”, preservando-se a paridade entre os consorciados e impedindo a prevalência da vontade isolada de um membro do grupo. Assim, a poupança coletiva é protegida em virtude de sua vinculação final – a aquisição de determinado bem ou serviço”.

“De outro lado, nos títulos de capitalização há a formação de um grupo que perdura, ainda que de forma flutuante. Em outras palavras: a cada dia há a adesão de novos participantes e a retirada de outros que já cumpriram o prazo contratado no título de capitalização. Outrossim, o capital constituído a partir da cota de capitalização é individual e não tem qualquer relação com a dos demais participantes. Por fim, nem mesmo a cota de sorteio se aproxima do contrato de consórcio. Isso porque nos títulos de capitalização, diferentemente dos consórcios, não há qualquer garantia de que cada participante será contemplado ao menos uma vez. Aliás, quanto à cota de sorteio tem-se caracterizado verdadeiro contrato aleatório, em que o risco é integralmente assumido pelos participantes. Com essas considerações, afastando-se qualquer confusão ou semelhança que justifique tratamento analógico, tenho que não se deve sobrepor o entendimento jurisprudencial dos consórcios aos títulos de capitalização”.

Dessa forma, “O prazo de carência não pode ter por finalidade a compensação de prejuízos financeiros aos demais participantes ou à sociedade em si, pois a independência das cotas impede que a existência de efetivo prejuízo. Tampouco é artifício destinado ao desestímulo de retiradas antecipadas, o que também já está inserido na formatação essencial dos títulos de capitalização”.

Fonte: STJ

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