No tocante aos crimes militares, ante o bem protegido
– hierarquia e disciplina – não cabe agasalhar, quanto ao porte de entorpecentes
para consumo próprio, o princípio da insignificância ou mesmo ter-se presente que
a Lei nº 11.343/06 se sobrepõe à espécie, em razão do critério da especialidade
do Código Penal Militar.
Lei nº
11.343/06
Art. 28. Quem
adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para
consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal
ou regulamentar será submetido às seguintes penas:
I - advertência sobre os efeitos das drogas;
II - prestação de serviços à comunidade;
III - medida educativa de comparecimento a programa ou
curso educativo.
Art. 33.
Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir,
vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo,
guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda
que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou
regulamentar:
Pena - reclusão
de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500
(mil e quinhentos) dias-multa.
Código Penal Militar
- DECRETO-LEI
Nº 1.001, DE 21 DE OUTUBRO DE 1969.
Tráfico,
posse ou uso de entorpecente ou substância de efeito similar.
Art. 290. Receber, preparar, produzir, vender,
fornecer, ainda que gratuitamente, ter em depósito, transportar, trazer
consigo, ainda que para uso próprio,
guardar, ministrar ou entregar de qualquer forma a consumo substância
entorpecente, ou que determine dependência física ou psíquica, em lugar sujeito
à administração militar, sem autorização ou em desacordo com determinação legal
ou regulamentar:
Pena -
reclusão, até cinco anos.
Diferentemente da previsão da Lei de Drogas
que diferencia o tráfico da posse para consumo próprio de entorpecentes, a
legislação castrense contempla ambos os delitos em única tipificação, prevendo
como pena reclusão até cinco anos.
No HC 105.826-SP, o STF não reconheceu a
aplicação do princípio da insignificância, mantendo a condenação, no caso em
que o Superior Tribunal Militar condenou militar a um ano de reclusão,
pela prática do crime previsto no artigo 290 do Código Penal Militar, por haver
sido flagrado na posse
de 0,17g de
substância entorpecente (maconha).
No HC 106.979-MG, o STF não reconheceu a
aplicação do princípio da insignificância, mantendo a condenação, no caso em
que o Superior Tribunal Militar condenou militar a um ano de reclusão, pela prática do crime previsto no artigo
290 do Código Penal Militar, por haver sido flagrado na posse de 0,30g de substância entorpecente
(maconha).
No HC 107.655-SP, o STF não reconheceu a
aplicação do princípio da insignificância, mantendo a condenação, no caso em
que o Superior Tribunal Militar condenou militar a um ano de reclusão, pela prática do crime previsto no
artigo 290 do Código Penal Militar, por haver sido flagrado na posse de 0,37g de substância entorpecente (maconha).
Para o STF, o tratamento legal acerca da
posse e uso de substância entorpecente no âmbito dos crimes militares não se
confunde com aquele dado pela
Lei n° 11.343/06,
como já ocorria
no período anterior, ainda na vigência da Lei n° 6.368/76.
O Direito Penal Militar pode albergar
determinados bens jurídicos que não se confundem com aqueles do Direito Penal Comum. O bem jurídico penal-militar tutelado no art.
290, do CPM, não se restringe à
saúde do próprio
militar, flagrado com determinada quantidade de substância
entorpecente, mas sim a tutela da regularidade das instituições militares.
O artigo 40, III, da Lei n° 11.343/06, não
altera a previsão contida no art. 290, CPM.
Art. 40. As
penas previstas nos arts. 33 a 37 desta Lei são aumentadas de um sexto a dois
terços, se: (...) III - a infração tiver
sido cometida nas dependências ou imediações de estabelecimentos
prisionais, de ensino ou hospitalares, de sedes de entidades estudantis,
sociais, culturais, recreativas, esportivas, ou beneficentes, de locais de
trabalho coletivo, de recintos onde se realizem espetáculos ou diversões de
qualquer natureza, de serviços de tratamento de dependentes de drogas ou de
reinserção social, de unidades militares
ou policiais ou em transportes públicos;
Não há que se falar em revogação do artigo
290 do Código Penal Militar pelo artigo 28 da Lei 11.342/2006, pois o Código
Penal Militar é norma especial em relação à lei de drogas, não incidindo
qualquer das hipóteses do §1º do artigo 2º da LINDB:
Art. 2o Não se destinando à vigência temporária, a lei
terá vigor até que outra a modifique ou revogue. (Vide Lei nº 3.991, de 1961)
§ 1o A lei posterior revoga a anterior quando
expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule
inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior.
§ 2o A lei nova, que estabeleça disposições gerais ou
especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior.
§ 3o Salvo disposição em contrário, a lei revogada não
se restaura por ter a lei revogadora perdido a vigência.
Cumpre mencionar que a 2ª Turma do STF já
reconheceu a aplicação do princípio da insignificância no artigo 290 do Código
Penal Militar no HC 94.583-0 de relatoria do Ministro Cezar Peluso, com a
seguinte ementa:
HC 94583 / MS - Relator(a): Min. ELLEN GRACIE - Relator(a) p/
Acórdão: Min. CEZAR PELUSO Julgamento: 24/06/2008 - Órgão Julgador: Segunda Turma – Publicação DJe-152
EMENTA: AÇÃO PENAL. Crime militar. Posse e uso de
substância entorpecente. Art. 290, cc. art. 59, ambos do CPM. Maconha. Posse de pequena quantidade (8,24 gramas).
Princípio da insignificância. Aplicação aos delitos militares. Absolvição
decretada. HC concedido para esse fim, vencida a Min. ELLEN GRACIE, rel.
originária. Precedentes (HC nº 92.961, 87.478, 90.125 e 94.678, Rel. Min. EROS
GRAU). Não constitui crime
militar a posse de ínfima quantidade de substância entorpecente por militar, a
quem aproveita o princípio da insignificância.
Porém os entendimentos mais recentes da 2ª Turma
do STF HC 107688 / DF e do Plenário do STF HC 103684 / DF, ambos de relatoria
do Ministro Ayres Brito negam a sua aplicação. Vamos colacionar apenas a ementa
do HC 103684 / DF, pois a do HC 107688 / DF é praticamente sua repetição:
HC 103684 / DF - DISTRITO FEDERAL - HABEAS CORPUS- Relator(a): Min. AYRES BRITTO - Julgamento: 21/10/2010 - Órgão Julgador: Tribunal Pleno Publicação - DJe-070 DIVULG
12-04-2011 PUBLIC 13-04-2011
EMENT VOL-02502-01 PP-00105
EMENTA: HABEAS CORPUS. CRIME MILITAR. CONSCRITO OU
RECRUTA DO EXÉRCITO BRASILEIRO. POSSE DE ÍNFIMA QUANTIDADE DE SUBSTÂNCIA
ENTORPECENTE EM RECINTO SOB ADMINISTRAÇÃO CASTRENSE. INAPLICABILIDADE DO
POSTULADO DA INSIGNIFICÂNCIA PENAL. INCIDÊNCIA DA LEI CIVIL Nº 11.343/2006.
IMPOSSIBILIDADE. RESOLUÇÃO DO CASO PELO CRITÉRIO DA ESPECIALIDADE DA LEGISLAÇÃO
PENAL CASTRENSE. ORDEM DENEGADA. 1. A
questão da posse de entorpecente por militar em recinto castrense não é de
quantidade, nem mesmo do tipo de droga que se conseguiu apreender. O problema é
de qualidade da relação jurídica entre o particularizado portador da substância
entorpecente e a instituição castrense de que ele fazia parte, no instante em
que flagrado com a posse da droga em pleno recinto sob administração militar.
2. A tipologia de relação jurídica em ambiente castrense é incompatível com a
figura da insignificância penal, pois, independentemente da quantidade ou mesmo
da espécie de entorpecente sob a posse do agente, o certo é que não cabe
distinguir entre adequação apenas formal e adequação real da conduta ao tipo
penal incriminador. É de se pré-excluir, portanto, a conduta do paciente das
coordenadas mentais que subjazem à própria tese da insignificância penal.
Pré-exclusão que se impõe pela elementar consideração de que o uso de drogas e
o dever militar são como água e óleo: não se misturam. Por discreto que seja o
concreto efeito psicofísico da droga nessa ou naquela relação tipicamente
militar, a disposição pessoal em si para manter o vício implica inafastável
pecha de reprovabilidade cívico-funcional. Senão por afetar temerariamente a
saúde do próprio usuário, mas pelo seu efeito danoso no moral da corporação e
no próprio conceito social das Forças Armadas, que são instituições voltadas,
entre outros explícitos fins, para a garantia da ordem democrática. Ordem
democrática que é o princípio dos princípios da nossa Constituição Federal, na
medida em que normada como a própria razão de ser da nossa República
Federativa, nela embutido o esquema da Tripartição dos Poderes e o modelo das
Forças Armadas que se estruturam no âmbito da União. Saltando à evidência que
as Forças Armadas brasileiras jamais poderão garantir a nossa ordem
constitucional democrática (sempre por iniciativa de qualquer dos Poderes da
República), se elas próprias não velarem pela sua peculiar ordem
hierárquico-disciplinar interna. 3. A hierarquia e a disciplina militares não
operam como simples ou meros predicados institucionais das Forças Armadas
brasileiras, mas, isto sim, como elementos conceituais e vigas basilares de
todas elas. Dados da própria compostura jurídica de cada uma e de todas em seu
conjunto, de modo a legitimar o juízo técnico de que, se a hierarquia implica
superposição de autoridades (as mais graduadas a comandar, e as menos graduadas
a obedecer), a disciplina importa a permanente disposição de espírito para a
prevalência das leis e regulamentos que presidem por modo singular a
estruturação e o funcionamento das instituições castrenses. Tudo a
encadeadamente desaguar na concepção e prática de uma vida corporativa de
pinacular compromisso com a ordem e suas naturais projeções factuais: a
regularidade, a normalidade, a estabilidade, a fixidez, a colocação das coisas
em seus devidos lugares, enfim. 4. Esse maior apego a fórmulas disciplinares de
conduta não significa perda do senso crítico quanto aos reclamos elementarmente
humanos de se incorporarem ao dia-a-dia das Forças Armadas incessantes ganhos
de modernidade tecnológica e arejamento mental-democrático. Sabido que vida
castrense não é lavagem cerebral ou mecanicismo comportamental, até porque –
diz a Constituição – “às Forças Armadas compete, na forma da lei, atribuir
serviço alternativo aos que, em tempo de paz, após alistados, alegarem
imperativo de consciência, entendendo-se como tal o decorrente de crença
religiosa e de convicção filosófica ou política para se eximirem de atividades
de caráter essencialmente militar” (§ 1º do art. 143). 5. O modelo
constitucional das Forças Armadas brasileiras abona a idéia-força de que entrar
e permanecer nos misteres da caserna pressupõe uma clara consciência
profissional e cívica: a consciência de que a disciplina mais rígida e os
precisos escalões hierárquicos hão de ser observados como carta de princípios e
atestado de vocação para melhor servir ao País pela via das suas Forças
Armadas. Donde a compatibilidade do maior rigor penal castrense com o modo
peculiar pelo qual a Constituição Federal dispõe sobre as Forças Armadas
brasileiras. Modo especialmente constitutivo de um regime jurídico timbrado
pelos encarecidos princípios da hierarquia e da disciplina, sem os quais não se
pode falar das instituições militares como a própria fisionomia ou a face mais
visível da idéia de ordem. O modelo acabado do que se poderia chamar de “relações
de intrínseca subordinação”. 6. No
caso, o art. 290 do Código Penal Militar é o regramento específico do tema para
os militares. Pelo que o princípio da especialidade normativo-penal impede a
incidência do art. 28 da Lei de Drogas (artigo que, de logo, comina ao delito
de uso de entorpecentes penas restritivas de direitos). Princípio segundo o
qual somente a inexistência de um regramento específico em sentido contrário ao
normatizado na Lei 11.343/2006 é que possibilitaria a aplicação da legislação
comum. Donde a impossibilidade de se mesclar esse regime penal comum e o regime
penal especificamente castrense, mediante a seleção das partes mais benéficas
de cada um deles, pena de incidência em postura hermenêutica tipificadora de
hibridismo ou promiscuidade regratória incompatível com o princípio da
especialidade das leis. 7. Ordem denegada.
Por fim, interessante ressaltar que a 1ª Turma
do STF já reconheceu a possibilidade de aplicação do princípio da insignificância
no delito do artigo 28 da Lei 11.343/2006, em caso de posse de 0,6 gramas de maconha.
HC 110475 / SC - SANTA CATARINA -HABEAS CORPUS - Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI- Julgamento: 14/02/2012
- Órgão Julgador: Primeira Turma – Publicação - PROCESSO
ELETRÔNICO - DJe-054 DIVULG 14-03-2012 PUBLIC 15-03-2012 - RB v. 24, n. 580,
2012, p. 53-58
EMENTA PENAL. HABEAS CORPUS. ARTIGO 28 DA LEI
11.343/2006. PORTE ILEGAL DE SUBSTÂNCIA ENTORPECENTE. ÍNFIMA QUANTIDADE.
PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. APLICABILIDADE. WRIT CONCEDIDO. 1. A aplicação do
princípio da insignificância, de modo a tornar a conduta atípica, exige sejam
preenchidos, de forma concomitante, os seguintes requisitos: (i) mínima
ofensividade da conduta do agente; (ii) nenhuma periculosidade social da ação;
(iii) reduzido grau de reprovabilidade do comportamento; e (iv) relativa
inexpressividade da lesão jurídica. 2. O sistema jurídico há de considerar a
relevantíssima circunstância de que a privação da liberdade e a restrição de
direitos do indivíduo somente se justificam quando estritamente necessárias à
própria proteção das pessoas, da sociedade e de outros bens jurídicos que lhes
sejam essenciais, notadamente naqueles casos em que os valores penalmente
tutelados se exponham a dano, efetivo ou potencial, impregnado de significativa
lesividade. O direito penal não se deve ocupar de condutas que produzam
resultado cujo desvalor - por não importar em lesão significativa a bens
jurídicos relevantes - não represente, por isso mesmo, prejuízo importante,
seja ao titular do bem jurídico tutelado, seja à integridade da própria ordem
social. 3. Ordem concedida.
Fonte: STF
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