sábado, 23 de fevereiro de 2013

Informativo 693 STF - HC N. 105.826-SP, HC 106.979-MG e HC 107.655-SP – POSSE DE ENTORPECENTES POR MILITAR E PRINCÍPIO DA INSIGNIFICANCIA RELATOR: MIN. MARCO AURÉLIO 2ª TURMA. 18.02.2012



No tocante aos crimes militares, ante o bem protegido – hierarquia e disciplina – não cabe agasalhar, quanto ao porte de entorpecentes para consumo próprio, o princípio da insignificância ou mesmo ter-se presente que a Lei nº 11.343/06 se sobrepõe à espécie, em razão do critério da especialidade do Código Penal Militar.

Lei nº 11.343/06
Art. 28.  Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas:
I - advertência sobre os efeitos das drogas;
II - prestação de serviços à comunidade;
III - medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.
Art. 33.  Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:
Pena - reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa.

Código Penal Militar - DECRETO-LEI Nº 1.001, DE 21 DE OUTUBRO DE 1969.
Tráfico, posse ou uso de entorpecente ou substância de efeito similar.
Art. 290. Receber, preparar, produzir, vender, fornecer, ainda que gratuitamente, ter em depósito, transportar, trazer consigo, ainda que para uso próprio, guardar, ministrar ou entregar de qualquer forma a consumo substância entorpecente, ou que determine dependência física ou psíquica, em lugar sujeito à administração militar, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:
Pena - reclusão, até cinco anos.


Diferentemente da previsão da Lei de Drogas que diferencia o tráfico da posse para consumo próprio de entorpecentes, a legislação castrense contempla ambos os delitos em única tipificação, prevendo como pena reclusão até cinco anos.

No HC 105.826-SP, o STF não reconheceu a aplicação do princípio da insignificância, mantendo a condenação, no caso em que o Superior Tribunal Militar condenou militar a um ano de reclusão, pela prática do crime previsto no artigo 290 do Código Penal Militar, por haver sido flagrado na posse de 0,17g de substância entorpecente (maconha). 

No HC 106.979-MG, o STF não reconheceu a aplicação do princípio da insignificância, mantendo a condenação, no caso em que o Superior Tribunal Militar condenou militar a um ano de reclusão, pela prática do crime previsto no artigo 290 do Código Penal Militar, por haver sido flagrado na posse de 0,30g de substância entorpecente (maconha).

No HC 107.655-SP, o STF não reconheceu a aplicação do princípio da insignificância, mantendo a condenação, no caso em que o Superior Tribunal Militar condenou militar a um ano de reclusão, pela prática do crime previsto no artigo 290 do Código Penal Militar, por haver sido flagrado na posse de 0,37g de substância entorpecente  (maconha). 

Para o STF, o tratamento legal acerca da posse e uso de substância entorpecente no âmbito dos crimes militares não se confunde com aquele  dado  pela  Lei  n°  11.343/06,  como  já  ocorria  no período anterior, ainda na vigência da Lei n° 6.368/76.

O Direito Penal Militar pode albergar determinados bens jurídicos que não se confundem com aqueles do Direito Penal Comum.  O bem jurídico penal-militar tutelado no art. 290, do CPM, não se  restringe  à  saúde  do  próprio  militar,  flagrado  com determinada quantidade de substância entorpecente, mas sim a tutela da regularidade das instituições militares. 

O artigo 40, III, da Lei n° 11.343/06, não altera a previsão contida no art. 290, CPM.  

Art. 40.  As penas previstas nos arts. 33 a 37 desta Lei são aumentadas de um sexto a dois terços, se: (...) III - a infração tiver sido cometida nas dependências ou imediações de estabelecimentos prisionais, de ensino ou hospitalares, de sedes de entidades estudantis, sociais, culturais, recreativas, esportivas, ou beneficentes, de locais de trabalho coletivo, de recintos onde se realizem espetáculos ou diversões de qualquer natureza, de serviços de tratamento de dependentes de drogas ou de reinserção social, de unidades militares ou policiais ou em transportes públicos;
Não há que se falar em revogação do artigo 290 do Código Penal Militar pelo artigo 28 da Lei 11.342/2006, pois o Código Penal Militar é norma especial em relação à lei de drogas, não incidindo qualquer das hipóteses do §1º do artigo 2º da LINDB:

Art. 2o Não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue. (Vide Lei nº 3.991, de 1961)
§ 1o A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior.
§ 2o A lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior.
§ 3o Salvo disposição em contrário, a lei revogada não se restaura por ter a lei revogadora perdido a vigência.

Cumpre mencionar que a 2ª Turma do STF já reconheceu a aplicação do princípio da insignificância no artigo 290 do Código Penal Militar no HC 94.583-0 de relatoria do Ministro Cezar Peluso, com a seguinte ementa:

HC 94583 / MS - Relator(a):  Min. ELLEN GRACIE - Relator(a) p/ Acórdão:  Min. CEZAR PELUSO Julgamento:  24/06/2008 - Órgão Julgador:  Segunda Turma – Publicação DJe-152 
EMENTA: AÇÃO PENAL. Crime militar. Posse e uso de substância entorpecente. Art. 290, cc. art. 59, ambos do CPM. Maconha. Posse de pequena quantidade (8,24 gramas). Princípio da insignificância. Aplicação aos delitos militares. Absolvição decretada. HC concedido para esse fim, vencida a Min. ELLEN GRACIE, rel. originária. Precedentes (HC nº 92.961, 87.478, 90.125 e 94.678, Rel. Min. EROS GRAU). Não constitui crime militar a posse de ínfima quantidade de substância entorpecente por militar, a quem aproveita o princípio da insignificância.


Porém os entendimentos mais recentes da 2ª Turma do STF HC 107688 / DF e do Plenário do STF HC 103684 / DF, ambos de relatoria do Ministro Ayres Brito negam a sua aplicação. Vamos colacionar apenas a ementa do HC 103684 / DF, pois a do HC 107688 / DF é praticamente sua repetição:

HC 103684 / DF - DISTRITO FEDERAL - HABEAS CORPUS- Relator(a):  Min. AYRES BRITTO - Julgamento:  21/10/2010 - Órgão Julgador:  Tribunal Pleno Publicação - DJe-070 DIVULG 12-04-2011 PUBLIC 13-04-2011
EMENT VOL-02502-01 PP-00105
EMENTA: HABEAS CORPUS. CRIME MILITAR. CONSCRITO OU RECRUTA DO EXÉRCITO BRASILEIRO. POSSE DE ÍNFIMA QUANTIDADE DE SUBSTÂNCIA ENTORPECENTE EM RECINTO SOB ADMINISTRAÇÃO CASTRENSE. INAPLICABILIDADE DO POSTULADO DA INSIGNIFICÂNCIA PENAL. INCIDÊNCIA DA LEI CIVIL Nº 11.343/2006. IMPOSSIBILIDADE. RESOLUÇÃO DO CASO PELO CRITÉRIO DA ESPECIALIDADE DA LEGISLAÇÃO PENAL CASTRENSE. ORDEM DENEGADA. 1. A questão da posse de entorpecente por militar em recinto castrense não é de quantidade, nem mesmo do tipo de droga que se conseguiu apreender. O problema é de qualidade da relação jurídica entre o particularizado portador da substância entorpecente e a instituição castrense de que ele fazia parte, no instante em que flagrado com a posse da droga em pleno recinto sob administração militar. 2. A tipologia de relação jurídica em ambiente castrense é incompatível com a figura da insignificância penal, pois, independentemente da quantidade ou mesmo da espécie de entorpecente sob a posse do agente, o certo é que não cabe distinguir entre adequação apenas formal e adequação real da conduta ao tipo penal incriminador. É de se pré-excluir, portanto, a conduta do paciente das coordenadas mentais que subjazem à própria tese da insignificância penal. Pré-exclusão que se impõe pela elementar consideração de que o uso de drogas e o dever militar são como água e óleo: não se misturam. Por discreto que seja o concreto efeito psicofísico da droga nessa ou naquela relação tipicamente militar, a disposição pessoal em si para manter o vício implica inafastável pecha de reprovabilidade cívico-funcional. Senão por afetar temerariamente a saúde do próprio usuário, mas pelo seu efeito danoso no moral da corporação e no próprio conceito social das Forças Armadas, que são instituições voltadas, entre outros explícitos fins, para a garantia da ordem democrática. Ordem democrática que é o princípio dos princípios da nossa Constituição Federal, na medida em que normada como a própria razão de ser da nossa República Federativa, nela embutido o esquema da Tripartição dos Poderes e o modelo das Forças Armadas que se estruturam no âmbito da União. Saltando à evidência que as Forças Armadas brasileiras jamais poderão garantir a nossa ordem constitucional democrática (sempre por iniciativa de qualquer dos Poderes da República), se elas próprias não velarem pela sua peculiar ordem hierárquico-disciplinar interna. 3. A hierarquia e a disciplina militares não operam como simples ou meros predicados institucionais das Forças Armadas brasileiras, mas, isto sim, como elementos conceituais e vigas basilares de todas elas. Dados da própria compostura jurídica de cada uma e de todas em seu conjunto, de modo a legitimar o juízo técnico de que, se a hierarquia implica superposição de autoridades (as mais graduadas a comandar, e as menos graduadas a obedecer), a disciplina importa a permanente disposição de espírito para a prevalência das leis e regulamentos que presidem por modo singular a estruturação e o funcionamento das instituições castrenses. Tudo a encadeadamente desaguar na concepção e prática de uma vida corporativa de pinacular compromisso com a ordem e suas naturais projeções factuais: a regularidade, a normalidade, a estabilidade, a fixidez, a colocação das coisas em seus devidos lugares, enfim. 4. Esse maior apego a fórmulas disciplinares de conduta não significa perda do senso crítico quanto aos reclamos elementarmente humanos de se incorporarem ao dia-a-dia das Forças Armadas incessantes ganhos de modernidade tecnológica e arejamento mental-democrático. Sabido que vida castrense não é lavagem cerebral ou mecanicismo comportamental, até porque – diz a Constituição – “às Forças Armadas compete, na forma da lei, atribuir serviço alternativo aos que, em tempo de paz, após alistados, alegarem imperativo de consciência, entendendo-se como tal o decorrente de crença religiosa e de convicção filosófica ou política para se eximirem de atividades de caráter essencialmente militar” (§ 1º do art. 143). 5. O modelo constitucional das Forças Armadas brasileiras abona a idéia-força de que entrar e permanecer nos misteres da caserna pressupõe uma clara consciência profissional e cívica: a consciência de que a disciplina mais rígida e os precisos escalões hierárquicos hão de ser observados como carta de princípios e atestado de vocação para melhor servir ao País pela via das suas Forças Armadas. Donde a compatibilidade do maior rigor penal castrense com o modo peculiar pelo qual a Constituição Federal dispõe sobre as Forças Armadas brasileiras. Modo especialmente constitutivo de um regime jurídico timbrado pelos encarecidos princípios da hierarquia e da disciplina, sem os quais não se pode falar das instituições militares como a própria fisionomia ou a face mais visível da idéia de ordem. O modelo acabado do que se poderia chamar de “relações de intrínseca subordinação”. 6. No caso, o art. 290 do Código Penal Militar é o regramento específico do tema para os militares. Pelo que o princípio da especialidade normativo-penal impede a incidência do art. 28 da Lei de Drogas (artigo que, de logo, comina ao delito de uso de entorpecentes penas restritivas de direitos). Princípio segundo o qual somente a inexistência de um regramento específico em sentido contrário ao normatizado na Lei 11.343/2006 é que possibilitaria a aplicação da legislação comum. Donde a impossibilidade de se mesclar esse regime penal comum e o regime penal especificamente castrense, mediante a seleção das partes mais benéficas de cada um deles, pena de incidência em postura hermenêutica tipificadora de hibridismo ou promiscuidade regratória incompatível com o princípio da especialidade das leis. 7. Ordem denegada.

Por fim, interessante ressaltar que a 1ª Turma do STF já reconheceu a possibilidade de aplicação do princípio da insignificância no delito do artigo 28 da Lei 11.343/2006, em caso de posse de 0,6 gramas de maconha.


HC 110475 / SC - SANTA CATARINA -HABEAS CORPUS - Relator(a):  Min. DIAS TOFFOLI- Julgamento:  14/02/2012  -   Órgão Julgador:  Primeira Turma – Publicação - PROCESSO ELETRÔNICO - DJe-054 DIVULG 14-03-2012 PUBLIC 15-03-2012 - RB v. 24, n. 580, 2012, p. 53-58
EMENTA PENAL. HABEAS CORPUS. ARTIGO 28 DA LEI 11.343/2006. PORTE ILEGAL DE SUBSTÂNCIA ENTORPECENTE. ÍNFIMA QUANTIDADE. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. APLICABILIDADE. WRIT CONCEDIDO. 1. A aplicação do princípio da insignificância, de modo a tornar a conduta atípica, exige sejam preenchidos, de forma concomitante, os seguintes requisitos: (i) mínima ofensividade da conduta do agente; (ii) nenhuma periculosidade social da ação; (iii) reduzido grau de reprovabilidade do comportamento; e (iv) relativa inexpressividade da lesão jurídica. 2. O sistema jurídico há de considerar a relevantíssima circunstância de que a privação da liberdade e a restrição de direitos do indivíduo somente se justificam quando estritamente necessárias à própria proteção das pessoas, da sociedade e de outros bens jurídicos que lhes sejam essenciais, notadamente naqueles casos em que os valores penalmente tutelados se exponham a dano, efetivo ou potencial, impregnado de significativa lesividade. O direito penal não se deve ocupar de condutas que produzam resultado cujo desvalor - por não importar em lesão significativa a bens jurídicos relevantes - não represente, por isso mesmo, prejuízo importante, seja ao titular do bem jurídico tutelado, seja à integridade da própria ordem social. 3. Ordem concedida.

Fonte: STF

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